A very British mess

O Reino Unido parte para as negociações com a União Europeia com um Governo instável e impreparado, em clima de crise existencial, sem grande margem de manobra e sem capacidade de gerar consensos.

Depois do referendo sobre o Brexit ter resultado numa vitória dos apoiantes da saída do Reino Unido da União Europeia, David Cameron demitiu-se. Tinha ganho a aposta do referendo sobre a independência da Escócia, mas perdeu a aposta sobre a União Europeia. Para o lugar de Cameron foi Theresa May. May fez campanha pela permanência na União Europeia, embora de forma discreta. Mas enquanto Primeira Ministra, assumiu a retórica populista do UKIP (Partido da Independência do Reino Unido), afirmando que Brexit means Brexit e que no deal is better than a bad deal, e rodeou-se de Brexiteers no seu Governo, como Boris Johnson (Negócios Estrangeiros), David Davis (Departamento da Saída da União Europeia), Liam Fox (Comércio Internacional) e Andrea Lansom (Ambiente).

O Brexit ter vencido foi uma surpresa. O Governo não tinha qualquer plano sobre como sair da União Europeia. Os defensores da saída tinham um plano único e concreto. Os defensores do soft Brexit e do hard Brexit digladiaram-se. Boris Johnson disse que queria ter o seu bolo (sair da União Europeia) e comê-lo ao mesmo tempo (manter os benefícios). As forças favoráveis ao Brexit mobilizaram-se e o Supremo Tribunal forçou o Governo a dar uma palavra ao Parlamento sobre o Brexit. E todos os dias saíam notícias sobre a falta de preparação e conhecimento dos ministros responsáveis pelo Brexit, que inclusivamente resultaram em demissões ao nível diplomático.

Neste contexto, o Governo de Theresa May dispunha de uma pequena maioria absoluta no Parlamento. Com o falacioso argumento de que uma maioria maior aumentaria o poder negocial do Reino Unido perante a União Europeia (seu maior parceiro económico, um dos maiores blocos económicos do mundo e com enorme interesse em dissuadir futuras saídas da União Europeia), Theresa May convocou eleições. À data, as sondagens davam-lhe ampla vantagem, e o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn parecia à deriva e à beira de uma guerra civil, entre os apoiantes de Corbyn e a ala moderada do partido, em especial a herdeira de Tony Blair. Tudo apontava para que os Conservadores fossem mesmo aumentar com estrondo a sua maioria, relegando o Partido Trabalhista para um resultado negativo histórico. Não foi o que aconteceu.

Jeremy Corbyn apresentou-se a eleições com um manifesto populista, claramente à esquerda, com ecos do manifesto trabalhista de 1983. Mas esses ecos daquele que foi apelidado como longest suicide note in History galvanizaram o voto jovem, atraído por promessas de maiores gastos públicos e nacionalizações, tudo pago com aumentos de impostos sobre os ‘ricos’. Os Conservadores apresentaram-se a eleições com um populismo de direita, anti-imigração, a favor de uma liderança forte e estável: uma mensagem subvertida por um manifesto eleitoral com propostas impopulares, que levaram a alterações de posição públicas durante as próprias eleições, e pelo desempenho de Theresa May, considerado robótico e parco em substância.

O centro político, representado pelos Liberais Democratas, o partido com o manifesto mais europeísta, não conseguiu aproveitar estas eleições, embora a sua representação parlamentar tenha aumentado. Tim Farron, entretanto forçado a demitir-se, não era, nem com conseguiu transformar-se, no Macron britânico. O The Economist apoiou os Liberais Democratas por os considerar os mais próximos das suas ideias cosmopolitas, enquanto Conservadores e Trabalhistas fechariam, cada um à sua maneira, o Reino Unido ao mundo. Mas o cosmopolitismo liberal democrata não foi mobilizador, e os populismos de esquerda e de direita, abraçados por Trabalhistas e Conservadores, acabaram por prevalecer (no caso dos Conservadores, à custa do colapso do UKIP). 

Agora, tudo está em aberto. Fala-se num acordo parlamentar entre Conservadores e o Partido Democrático Unionista, da direita radical da Irlanda do Norte, que permitiria sustentar um Governo de minoria conservador – à custa, no entanto, da salvaguarda do processo de paz na Irlanda do Norte, que já havia ficado mais frágil após o referendo do Brexit. Na Escócia, o referendo do Brexit reabriu a questão da independência escocesa, com os Nacionalistas Escoceses a proporem novo referendo sobre o tema, com o eventual intuito de, posteriormente, juntarem uma Escócia independente à União Europeia.

O Reino Unido parte para as negociações com a União Europeia com um Governo instável e impreparado, em clima de crise existencial, sem grande margem de manobra e sem capacidade de gerar consensos. A posição do Reino Unido não teria saído reforçada com uma maioria conservadora – embora a posição de hard brexiteers talvez tivesse. Não por acaso, atendendo a esta situação, já surgiram vozes na União Europeia a dizer que o Reino Unido até pode permanecer, revertendo-se o Brexit, embora sem o estatuto especial que tem marcado a posição do Reino Unido dentro da União Europeia.

O mais provável, no entanto, é que um dos slogans de Theresa May se revele verdadeiro: Brexit means Brexit. Afinal, mesmo muitos votantes no Remain dizem agora, em sondagens, que, atendendo ao resultado do referendo, o Reino Unido deve sair. Com uma União Europeia unida e o clima atual no Reino Unido, isto resultaria, provavelmente, num soft Brexit, tudo se mantendo igual. Mas com as mudanças rápidas a que temos assistido e continuaremos a assistir no Reino Unido e na União Europeia, e mesmo a nível global, não há certezas que resistam nesta very British mess.

 

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição.

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