Antes abandonados, os jardins do Porto estão a ser repovoados

Praças como a do Infante, a de Lisboa, renovada há quatro anos, ou o Passeio das Virtudes passaram de locais sem gente a ponto de encontro de muitos que preferem ficar em jardins ao ar livre. Há quem também procure os vários jardins interiores da cidade.

Fotogaleria
Adriano Miranda
Fotogaleria
Adriano Miranda
Fotogaleria
Adriano Miranda
Fotogaleria
Adriano Miranda

São muitas as pessoas que numa tarde de sol enchem alguns dos jardins das várias praças da Baixa portuense que até há alguns anos estavam vazias. As praças de Lisboa, do Infante e o Jardim do Passeio das Virtudes estão entre as preferências dos locais e de turistas, que terão sido os primeiros a ocupar os relvados destes espaços. O hábito pegou e continua a ganhar adeptos que optam por trocar a cadeira da esplanada por um pedaço de relva num jardim.

Junto à Torre dos Clérigos, no Jardim das Oliveiras, que nasceu em 2013, na sequência da renovação da Praça de Lisboa, estão, entre muitos, duas amigas. Raquel Silva e Daniela Cunha refugiam-se na sombra de uma das várias árvores do espaço. Toalha de piquenique no chão aproveitam o início da tarde para o contacto com a natureza em pleno centro da cidade. “Numa cidade que está a ficar cada vez mais frenética e mais cheia este é uma espécie de refugio para fugir dessa confusão”, diz Raquel que sempre que passa pela Baixa visita o jardim. 

A amiga está lá pela primeira vez. “Estamos no centro, mas não parece que estamos na cidade. É calmo e dá para relaxar. É bom termos a oportunidade de fugir aos roteiros habituais dos cafés e esplanadas”, diz. Há espaço para tudo, afirma Raquel que considera existir agora um “equilíbrio maior entre espaços mais trendy e natureza”.

Mais ao lado está outro grupo de amigos. Uns são de Vila Real e parte da Póvoa do Varzim, que servem de guia para os visitantes. Deitados e sentados na relva, fazem uma paragem nas Oliveiras depois do almoço. Ao contrário do que acontecia noutros jardins mais deslocados do centro, como é o caso do Parque da Cidade, não era muito habitual ver tanta gente aproveitar as praças da Baixa para “descontrair e relaxar”. Hélia Gonçalves, é de Vila Real, mas já conhecia o Porto. Importante para que este se tenha tornado num comportamento adoptado pelos portugueses diz ter sido a influência dos turistas. “O português sempre foi muito envergonhado. Tinha vergonha de ocupar os espaços verdes para relaxar. Influenciados pelos turistas a mentalidade foi mudando e agora já não acontece isso. Na nossa cidade (Vila Real), que é um meio mais pequeno também já acontece o mesmo”, diz Hélia.

Há sete anos Eduardo Cabral trabalhou no Porto e recorda-se de aquela zona ser “muito diferente”. “Dantes metia medo andar por aqui. Agora parece outra zona”, conta.

Durante uma série de anos, depois de ter fechado o Clérigos Shopping há mais de uma década, onde agora está o jardim com 4500 metros quadrados e 50 oliveiras, as lojas que abandonadas do projecto anterior foram abrigo de toxicodependentes que as usavam para dormir e para consumo.

Vitoriana de gema, nasceu na rua dos Caldeireiros (nas imediações do jardim) há 48 anos, onde ainda vive, Paula Ferreira recorda-se dessa fase. “Isto agora está muito melhor”, diz. Com banca de venda de manjericos já preparada para o São João encostada à praça, que divide com Cristina Falcão, de 59 anos, que também vive na freguesia da Vitória, não tem dúvidas de que o aglomerado de pessoas que ali se concentra só trouxe benefícios par aquela área. “Agora tem mais vida”, concorda Cristina.

“Pena é não terem feito também obras na Cordoaria”, diz Paula Ferreira, que entende que o jardim colado ao das Oliveiras precisava de ser reabilitado de forma a que a terra batida fosse substituída por mais relva, para que pudesse acontecer o mesmo que acontece no do lado.

Na mesma tarde, quem passa pela Praça do Infante D. Henrique, ao lado do Palácio da Bolsa e do Mercado Ferreira Borges, a caminho da Ribeira, assiste ao mesmo cenário. Sempre foi local de passagem de muita gente, mas o hábito de parar no jardim da praça é recente.

Mais recente é o movimento que existe no Passeio das Virtudes, escondido atrás do Palácio da Justiça. Com vista privilegiada para o rio Douro há tardes em que não é fácil encontrar um espaço livre no relvado. O varandim fica na parte superior do Jardim das Virtudes, o único parque público do centro da cidade, onde também alguns se concentram. Mas é na parte de cima, por força do limite de horário do parque, que há maior concentração de gente. Ali, brincam crianças, há quem arrisque num piquenique ou quem desfrute da leitura de um livro.

No entanto, nem sempre foi assim. Cecília Carvalho, que frequenta há “largos anos” o local, recorda-se de o procurar para poder fugir à confusão. “Há uns anos quando cá vinha viam-se 3 ou 4 pessoas que moravam por perto”. Entretanto a realidade mudou. Não sabe bem a partir de quando, mas desconfia do motivo para isso ter acontecido. “Um dia alguém criou um evento fictício no Facebook de um sunset com actividades marcado para as Virtudes. Recordo-me de ter vindo um mar de gente e depois não se passou nada”, conta. Não sabe se estará de alguma forma relacionado, contudo acredita que esse momento pode ter ajudado a projectar uma zona da cidade “desconhecida de grande parte” dos portuenses. Também terá ajudado, diz, alguns concertos que foram sendo marcados posteriormente no mesmo local.

No Passeio das Virtudes, aberto durante o dia todo há apenas um café que lá está há cerca de 40 anos. Do balcão há uma fila que se prolonga até à rua. É lá que muita gente que frequenta a varanda se vai abastecer para o piquenique. O proprietário do El Reys há quase oito anos, Paulo Pedro, recorda que a realidade de há uns anos era muito diferente. “Só há uns 3 anos é que o movimento cresceu. Esta era um local da cidade pouco conhecido. De repente despertaram para esta zona”, diz. Paulo relaciona essa descoberta com os eventos que foram sendo organizados que terão aberto portas a muitos portuenses que “nem sequer sabiam” que as Virtudes existiam. No local há afluência de turistas, mas diz que é frequentado sobretudo por quem vive na cidade. Entretanto, teve que alargar o horário do café que abre às 8h para as 2h: “Não nego que tudo isto me ajudou no negócio”.

A passear o cão nas Virtudes, como é hábito todos os dias, está Américo Alves de 83 anos, morador. Tem sentimentos contraditórios relativamente ao movimento que agora ali existe. Gosta de ver o espaço com vida e com gente jovem, ao contrário do que acontecia anteriormente. Porém, há um aspecto menos positivo: “Há quem não tenha cuidado e não se preocupe com o lixo que deixa no local. Resolvesse-se essa parte e não me chateava tanto.”

Os mais recatados preferem os jardins internos

Há outros jardins escondidos pela cidade. Quem passa em Cedofeita frente à gelataria Agera não adivinha o que se esconde atrás do espaço. No fundo do estabelecimento há um jardim com árvores  plantas e uma esplanada. A gerente, Suse Sales, diz que é um dos trunfos da gelataria que também tem serviço de cafetaria. “Quem passa na porta não consegue imaginar o que está lá atrás”, diz

É comum a vários prédios do centro do Porto a existência de um logradouro. Muitos deles estavam abandonados e com grande densidade de mato. Mais recentemente alguns dos prédios, anteriormente de habitação, foram reabilitados e os jardins foram aproveitados.

Também em Cedofeita, o BBGourmet 1858 é um desses exemplos. No experior do bar/restaurante do aparthotel aberto há cerca de um ano e meio há um jardim recatado que desperta a curiosidade de quem passa. “Muita gente entra só para espreitar o jardim”, diz Rui Costa, responsável pelo espaço.

Antes de o aparthotel abrir o jardim estava abandonado.

Há vários exemplos em todo o centro do Porto. Em Bombarda há o jardim do Gallery Hostel, na rua do Breiner o do bar Breyner 85, na José Falcão o do café Vitória, nas Oliveiras o Pipa Velha também tem jardim, mais perto da Trindade, no Bonjardim, há o Pretinho do Japão e na zona oriental da cidade há o Terraplana, na Avenida Rodrigues de Freitas, que de acordo com o proprietário do bar Mickey McConnell, quando a casa com mais de cem anos foi comprada também tinha o jardim entregue ao abandono.

O mesmo cenário encontrou o primeiro proprietário da Casa de Ló, na Travessa de Cedofeita, conta o actual, Carlos Lourenço, que acredita que o jardim interior é uma alternativa para os mais reservados que preferem não estar tão expostos.

No jardim/pátio da Casa de Ló estão João Querido e Hélder Sousa. Estão os dois a ler numa das mesas da esplanada. São os dois estudantes universitários e é precisamente o recato do jardim que os faz frequentar o bar com regularidade, umas vezes para ler, outras para estudar e muitas vezes para descontraírem. Também frequentam as Virtudes ou o jardim das Oliveiras, na Praça de Lisboa. Ali, e a outros jardins interiores da cidade, vão quando querem fugir “a outros focos de distracção”, podendo, como preferem, continuar ao ar livre.

 

Sugerir correcção
Ler 3 comentários