“Há consumo excessivo de fármacos” para ansiedade em época de exames

Bastonário da Ordem dos Psicólogos Francisco Miranda Rodrigues diz que “o bullying tem um impacto muito negativo", mas "não é o problema principal” nas escolas.

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Francisco Miranda Rodrigues foi eleito bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses em Dezembro de 2016 Rui Gaudêncio

O bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), Francisco Miranda Rodrigues, recebeu a confirmação da Direcção-Geral da Educação (DGE) de que irão ser desbloqueadas “verbas para a contratação de mais 200 psicólogos já para o início do próximo ano lectivo” para trabalharem nas escolas. Actualmente, existe em média um psicólogo por cada grupo de 1700 alunos. As recomendações internacionais apontam para um rácio de um para 1000. A contratação é uma boa notícia, mas é preciso ir bem mais longe, diz.

Miranda Rodrigues sublinha a importância de se criarem condições para estes profissionais se fixarem nos estabelecimentos de ensino, porque é aí que começa a prevenção de problemas como a depressão. O especialista deixa ainda um alerta: há muitas formas de lidar com a ansiedade associada os exames que se aproximam, mas, “por regra”, elas não passam pela medicação. “Não devia ser nunca a primeira linha.”

O bullying é um dos principais problemas que os psicólogos encontram nas escolas?
O bullying tem um impacto muito negativo, mas a sua abrangência, comparativamente com outras situações, não é o principal problema. A depressão é um dos problemas mais graves com que temos de lidar, pelos impactos que tem ao longo da vida, e que são incapacitantes. Se prepararmos uma criança desde cedo para identificar em si aquilo que são as emoções — como raiva ou tristeza —, isso dá-lhe uma possibilidade de controlo que de outra forma não teria. Preventivamente, a escola é essencial para isto. Nas questões relacionadas com violência em contexto escolar, essa é uma das coisas que é importante trabalhar.

Estamos a iniciar a época dos exames nacionais do secundário. O problema da ansiedade agrava-se na altura dos exames?
A altura dos exames leva, por vezes, ao consumo de ansiolíticos ou ao consumo de metilfenidato [conhecido por Ritalina, o nome de uma das marcas]. Trata-se de medicação perfeitamente pertinente, quando estamos perante determinado tipo de quadros de hiperactividade devidamente diagnosticados. Mas o que temos hoje em dia, aparentemente, é um sobrediagnóstico relativamente à hiperactividade. O que não é aparente é o consumo excessivo dos fármacos associados a este tipo de situações. Isto não é dizer que não deve haver consumo nenhum...

Existe pressão dos pais ou dos médicos?
Que existe pressão existe. Refiro-me à pressão de quem, no dia-a-dia, está a ver o filho em sofrimento e pede ao médico [algo para o aliviar]. Esta é uma das coisas. A outra é se eu recorro a uma consulta num centro de saúde, com uma queixa que pode ter que ver com hiperactividade, mas não necessariamente necessitar de metilfenidato. Se não existem lá recursos, os médicos medicam. Os médicos de família estão muito sensibilizados para a referenciação para a consulta de psicologia, mas se não existem lá recursos não podem referenciar.

Existe pressão dos professores para garantir o bom desempenho dos alunos?
É mais um contributo, mas não me parece que seja o principal.

Qual é a melhor forma de lidar com a ansiedade em época de avaliações?
Há formas de lidar e não é, por regra, com medicação. Isso não devia ser nunca a primeira linha, nem o metilfenidato, nem os ansiolíticos. São excepções os casos em que a primeira linha, pela gravidade ou pela tipologia da situação, necessita efectivamente de intervenção farmacológica. Há formas de trabalharmos isso e os psicólogos podem ajudar, para que os alunos desenvolvam estratégias para controlar a ansiedade. Não há uma regra para todos.

Quantos psicólogos existem nas escolas e quantos há a menos? O seu antecessor disse em Outubro de 2016 que havia 500 a menos.
A senhora secretária de Estado adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, disse-nos de forma clara e inequívoca que garantia que antes do início do ano lectivo teríamos mais 200 psicólogos nas escolas, ao abrigo de um protocolo com a Direcção-Geral da Educação. E isso é positivo, mas estes 200 já deveriam ter entrado em Setembro de 2016 [de acordo com esse protocolo]. Esta contratação, é feita com base em fundos comunitários, foi reafirmada por este Governo, e vinha do Governo anterior. O Estado comprometeu-se a atingir o rácio de um psicólogo para 1100 alunos, nas escolas públicas, e para isso precisam de fazer contratações. Os 200 não vão chegar. O que temos aqui é uma tentativa de chegar a isso, mas há um atraso grande.

Sem contratos permanentes, o compromisso não cumpre o vosso objectivo de fixar os psicólogos nas escolas?
Do ponto de vista preventivo, vamos começar a trabalhar nas escolas o mínimo dos mínimos. Com os novos 200, ficaremos com 900. Mas de todos apenas 300 têm contrato a tempo inteiro. Os outros 400 têm contratos de um ano. E na mesma situação estarão os novos 200. Ora, os psicólogos preenchem necessidades permanentes de apoio ao aluno. Depois, estamos a falar de coisas como estes fenómenos recentes na Internet, como o Baleia Azul e outros. A raiz da questão é: temos pessoas mais susceptíveis de virem a ser vítimas deste tipo de situações, por não terem competências que são protectoras dos factores de risco? Se eu trabalhar isto previamente, [esses fenómenos] nem serão assunto.

O programa Escola SaudavelMente, que lançaram há um ano, é uma forma de conter problemas nas escolas?
O facto de uma escola ter psicólogos conta bastante para poder ter boas práticas. Nós lançámos essa campanha, no âmbito da qual também foi lançada a iniciativa do selo Escola SaudavelMente, para distinguir boas práticas, com esta interrogação: serão as nossas escolas saudáveis psicologicamente? Das 253 escolas e agrupamentos [num universo de mais de 800] que se candidataram, 99 obtiveram o selo. O facto de uma escola desenvolver competências socioemocionais é um exemplo de uma boa prática promotora de saúde psicológica. Mas a organização, o que se faz com os equipamentos e os tempos livres, pode ou não também permitir uma vivência mais saudável.

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