O homem imprescindível

Não é possível conceber o mundo de hoje sem o legado de Helmut Kohl. Simplesmente não é possível imaginar o que seria a Europa sem a Alemanha reunificada, sem o Euro, sem o motor económico do continente centrado em Berlim. Sem medo da simplificação, é possível assumir que que a Europa do século XX foi Churchill na guerra e Kohl na paz. Mais ninguém teve uma actuação tão decisiva, tão corajosa e tão duradoura quanto a decisão de Helmut Kohl em avançar para a reunificação da Alemanha ao mesmo tempo que se empenhou na construção da União Europeia. O homem que mudou a face do mundo mereceu o reconhecimento que está a ter na morte, até porque é dele a Europa que (ainda) temos hoje.

Nunca teve problemas em acumular fidelidades e identidades. Valorizou a devoção germânica e juntou-lhe a crença na construção europeia, que lhe garante lugar no panteão dos grandes homens do século XX. Kohl era um lutador épico menorizado pelas suas origens humildes e que gostava de se descrever como o “elefante na loja de loiças” – que também sabia ser diplomático quando isso o exigia. A reunificação alemã é um golpe de génio de alguém que aproveitou uma oportunidade única na história para pôr russos, americanos, franceses e ingleses a apoiar o novo gigante europeu, cedendo o Marco para conquistar o continente.

Helmut Kohl terá sido um dos políticos mais menorizados de sempre enquanto lutou pelo poder e o manteve; da mesma forma que será um dos mais saudosos da história recente. Muitos lamentaram, nos últimos anos, não ter alguém à sua medida no leme da União. Mas convém recordar que assistimos hoje à aparição do novo eixo franco-alemão, no ano em que Emmanuel Macron conquista o Eliseu com um discurso europeu e Merkel se prepara para vencer de forma tranquila as eleições alemãs.

E, se alguns homens moldam o seu tempo, também as épocas em vivem os condicionam. Nesse sentido, Angela Merkel marca estes anos pós-crise económica da mesma forma que o velho Chanceler marcou os destinos da Europa nos anos noventa. E é de notar que, com a próxima vitória eleitoral, Merkel se arrisca a ultrapassar o tempo como chanceler do líder alemão.

Claro que Angela Merkel não é Helmut Kohl. Mas o mundo também não é o mesmo de há quarenta anos. E é nesse sentido que Merkel está à altura do legado do seu mentor: é dela que vem a liderança na Europa e são as suas palavras desta sexta-feira as que melhor representam o momento: “vai demorar até que tenhamos noção do que perdemos”. 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários