Trump reconhece que está a ser investigado e ataca o seu Departamento de Justiça

Equipa de transição de Donald Trump tem ordens para preservar registos relacionados com a Rússia e a Ucrânia. Presidente diz-se alvo de uma caça às bruxas liderada pelo procurador-geral adjunto.

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Donald Trump admitiu que está a ser investigado Eric Thayer/Reuters

A cada dia que passa, a ideia com que se fica quando se olha para a Casa Branca é a de uma daquelas vivendas frágeis e teimosamente construídas e reconstruídas na região americana conhecida como Avenida dos Tornados – é só mais um pouco e vai telhado, vai casa, vai tudo, tão forte é o vento que sopra contra Donald Trump. Desta vez, a pressão veio directamente dos advogados da equipa que ajudou Trump na transição de Presidente eleito dos EUA para chefe de Estado: preservem todo e qualquer registo com referências à Rússia e à Ucrânia; se não o fizerem, podem ter de prestar contas nos tribunais.

A notícia foi avançada esta sexta-feira pelo jornal Washington Post, que cita um memorando enviado pelos advogados da equipa de transição a todas as pessoas que fizeram parte dela (logo após uma primeira vitória nas eleições presidenciais, o futuro Presidente escolhe uma equipa que vai ajudá-lo a coordenar-se com o Presidente cessante. No caso de Donald Trump, o responsável por essa equipa foi o actual vice-presidente, Mike Pence).

Não é claro se a ordem de preservação dos documentos foi ditada pelo procurador especial Robert Mueller, que está a investigar as suspeitas de conluio entre elementos da campanha de Trump e o Governo russo. É possível que isso tenha acontecido, mas nos casos em que há uma investigação criminal em curso é normal que sejam os próprios advogados a avisarem todas as pessoas que estão a ser alvo, ou que podem vir a ser alvo, dessa investigação.

Ainda segundo a notícia do Washington Post, todas as pessoas que trabalharam nessa equipa de transição "têm o dever de preservar quaisquer registos físicos e electrónicos que possam estar relacionados, de qualquer forma, com o assunto das actuais investigações". É claro que ordens deste tipo não garantem que os documentos sejam preservados, mas a ideia é também estabelecer uma linha vermelha – se mais tarde forem descobertos documentos que não foram entregues, ou que foram adulterados, as pessoas envolvidas podem vir a ser acusadas de obstrução à Justiça e outros crimes.

Presidente acossado

Os últimos dias têm sido particularmente difíceis para a Casa Branca, depois de a investigação do FBI ter começado por centrar-se em pessoas do círculo do Presidente Trump, mas não da sua Administração. De acordo com notícias avançadas esta semana pelos jornais americanos, Donald Trump está a ser investigado pela equipa do procurador especial Robert Mueller – não directamente por possíveis ligações ao Governo russo, mas por tentativa de obstrução à Justiça quando, em Maio, despediu o director do FBI, James Comey.

Donald Trump tem negado qualquer envolvimento com o Governo russo durante a campanha, mas a forma como tem lidado com a investigação passou a ser o seu maior problema. Quinta-feira, num dos seus já famosos tweets, o Presidente resumiu involuntariamente o que está em causa: "Eles inventaram um conluio com os russos, não encontraram provas, e agora vão investigar por obstrução à Justiça em relação a essa história falsa. Boa." Em última análise, é esse um dos cenários possíveis: que Trump não esteja envolvido na principal investigação (conluio com os russos) mas que tenha dado passos à margem da lei para afastar essa suspeita (obstrução à Justiça).

Esta sexta-feira, Trump disparou mais uma série de tweets. Num deles, reconheceu que está a ser investigado e lançou um ataque ao procurador-geral adjunto, responsável máximo pela investigação do FBI depois de o procurador-geral se ter afastado do processo: "Estou a ser investigado por despedir o director do FBI pelo homem que me disse para despedir o director do FBI! Caça às bruxas!" O Presidente norte-americano não disse nomes, mas quem lhe disse para despedir James Comey foi o seu procurador-geral adjunto, Rod Rosenstein.

Dois dias depois de ter despedido o director do FBI com o argumento de que seguiu a recomendação do seu procurador-geral adjunto, Donald Trump deu uma entrevista à NBC em que disse que ia despedir James Comey com ou sem recomendação.

Investigação e impeachment são coisas diferentes

Outra notícia desta semana parece indicar que o tornado está a avançar cada vez mais depressa em direcção à Casa Branca: o vice-presidente norte-americano, Mike Pence, contratou um advogado com muita experiência em problemas bicudos, um homem que começou a trabalhar na defesa de políticos conhecidos durante o escândalo de Watergate, no início da década de 1970, que levou à resignação do Presidente Richard Nixon. Nessa altura, Richard Cullen trabalhou na defesa do congressista Manely Caldwell Butler, um membro do Partido Republicano na Câmara dos Representantes, muito admirado pela sua independência, e que votou a favor do impeachment do Presidente Nixon.

A contratação de advogados é a norma nestes casos, e isso pode ser visto apenas como um sinal de inteligência e não de culpabilidade. Mesmo que não haja qualquer ligação directa, todas as pessoas que falem com o Presidente ou com outras pessoas que possam estar a ser investigadas têm todo o interesse em procurar ajuda jurídica para se protegerem o mais possível de acusações de perjúrio, por exemplo – e para poderem continuar a fazer o seu trabalho sem terem de lidar directamente com pedidos legais.

Apesar de todas estas notícias, a questão mantém-se: o avanço de uma investigação criminal não significa necessariamente que o Presidente Donald Trump está mais perto de ser alvo de um impeachment. No final da investigação – que pode demorar anos –, e mesmo que encontre indícios de obstrução à Justiça, o procurador Mueller dificilmente poderá aconselhar o Departamento de Justiça a acusar formalmente um Presidente em exercício (é essa a posição de princípio nos EUA). Em qualquer caso – seja através da investigação do FBI ou das investigações que estão também a decorrer na Câmara dos Representantes e no Senado – o impeachment é um processo político: cabe à Câmara dos Representantes (de maioria do Partido Republicano pelo menos até Novembro de 2018) aprová-lo por uma maioria simples, e cabe ao Senado (também de maioria do Partido Republicano pelo menos até Novembro de 2018) julgar o Presidente e condená-lo por uma maioria de dois terços.

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