Crescimento da Premier League choca com a visão dos adeptos

O principal campeonato da Europa tem sido rebocado pelos direitos televisivos, rubrica que actualmente vale 60% do total das receitas dos clubes. A próxima meta dos operadores? Mais jogos em horário nocturno.

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Reuters/Darren Staples

O acordo milionário celebrado em 2015 entre os operadores de televisão e os clubes da Premier League fez entrar na competição nada menos do que 6,9 mil milhões de euros para o triénio que termina em 2019. Um valor-recorde que, naturalmente, trouxe contrapartidas. Algumas delas, porém, estarão já a ser revistas, tendo no horizonte um próximo contrato que promete contar com a oposição dos adeptos. Empurrar mais alguns jogos para o início da noite é uma ideia que começa a gerar polémica, num quadro de maximização de receitas em que os detentores dos direitos de TV têm um peso cada vez mais esmagador.

Futebol à luz do dia é um conceito muito acarinhado em Inglaterra, que tem distribuído os encontros da Premier League essencialmente pelas tardes do fim-de-semana ou do meio da semana, ainda que alguns jogos resvalem para o horário nocturno. Ora, a intenção de aumentar o número de partidas com início marcado para as 19h45, para satisfazer a vontade dos operadores de cobrirem 190 encontros por época (em vez dos actuais 168), é, por isso, vista com desconfiança pela Federação dos Adeptos de Futebol (FSF na sigla original).

“Já há demasiados jogos transmitidos a horas que dificultam a vida aos adeptos que vão aos estádios, especialmente àqueles que têm de fazer viagens longas”, aponta, em comunicado citado pela Reuters, a direcção do organismo que defende os interesses dos fãs da modalidade em Inglaterra e no País de Gales.

Na medida em que garantiram, na última temporada, uma média de ocupação dos estádios a rondar os 96% — a mais alta da Europa, ainda que a Alemanha apresente um total de espectadores superior —, os adeptos britânicos sabem que têm uma palavra a dizer neste processo. E deixam uma espécie de ameaça velada: “Os operadores confiam na atmosfera gerada pelos adeptos, que contribuem de uma forma muito, muito significativa para criar um produto de TV atractivo. Que imagem darão bancadas vazias?”, questionam.

A questão é sensível e está longe de estar encerrada, até porque a direcção da Premier League só em Fevereiro de 2018 fechará as negociações para o triénio 2019-2022. Certo é que a entrada em cena da BT Sport, que passou a funcionar como concorrente directa da BSkyB na luta pelas transmissões televisivas em Inglaterra, revolucionou o volume de receitas dos clubes, desequilibrando ainda mais a balança dos proveitos. Em quatro épocas apenas, os direitos de TV passaram de 47% do total dos proveitos do escalão de elite do futebol inglês para 60% (de 1353 milhões de euros para 2941 milhões). Em sentido contrário, o peso das receitas comerciais e dos proveitos nos dias de jogo (bilheteira e afins) baixou de forma relevante — de 30% para 26% e de 23% para 14%, respectivamente.

Sem grande margem para continuarem a crescer no número de espectadores, já que a política de renovação dos estádios não está no topo das prioridades, os clubes da Premier League, nomeadamente os candidatos ao título, têm “atacado” outros mercados geográficos e retirado o máximo de dividendos das transmissões dos jogos. E, nessa perspectiva, acautelar os interesses de espectadores de outras latitudes acaba por ser um passo natural.

“Os operadores e a direcção da Premier League parecem apostados em agendar jogos para horários que são cada vez mais inconvenientes para os fãs”, insiste a FSF, que no ano passado também esteve na linha da frente do combate ao aumento do preço dos bilhetes. 

Até agora, a Liga inglesa tem sido capaz de gerir com equilíbrio as pretensões dos diferentes agentes, maximizando receitas, mantendo os estádios cheios e recalibrando o rácio proveitos/salários para cumprir os requisitos da UEFA. Na prática, tem conseguido absorver o impacto denunciado pela maioria dos estudos sobre o tema, o da queda abrupta das chamadas receitas tradicionais. Um caminho para manter?

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