A ciência desmente e os nutricionistas também

O facto de nos alimentarmos todos os dias não faz de nós especialistas em alimentação.

A prática do nutricionista, à semelhança de outras profissões de Saúde, rege-se pela prática baseada na evidência científica, estando esta prevista no Código Deontológico da Ordem dos Nutricionistas. A prática baseada na evidência é parte integrante na tomada de decisão e nas atividades desenvolvidas pelo nutricionista, sob pena da deterioração e desatualização dos conhecimentos adquiridos aquando da sua formação académica base e pode incorrer em ação disciplinar prevista nos estatutos da Ordem. Feito este preâmbulo, importa aqui salientar alguns pontos fundamentais.

Com o acesso à informação cada vez mais facilitado, somos todos os dias inundados com dicas, conselhos e notícias oriundas de inúmeros sites, blogues e revistas no âmbito da alimentação e nutrição. Face a esta abundância, o maior desafio é mesmo diferenciar o que é e não é credível e o que contribui para o conhecimento científico. Este conhecimento produzido no âmbito de estudos científicos é, entre outras características, sistemático, racional e passível de ser submetido a verificação. É também falível, na medida em que não tem carácter definitivo, o que permite melhorar a qualidade da prática profissional. Se isso não acontecesse, não haveria evolução do conhecimento científico e consideraríamos, por exemplo, ainda hoje, que a obesidade não é uma doença. A ciência evolui e desmente todos os dias. Os nutricionistas seguem o mesmo caminho. E ainda bem!

Segundo a definição clássica de David Sackett (1996), a prática baseada na evidência é a “utilização consciente, explícita e sensata da melhor evidência disponível no processo de decisão sobre os cuidados ao utente”. A prática baseada na evidência é uma abordagem integradora dos cuidados de saúde que contempla a experiência clínica, a melhor evidência científica disponível e as características e as preferências dos utentes para a tomada de decisão. Entende, ainda, que os cuidados de saúde são individualizados e em constante mudança, envolvendo incertezas e probabilidades. No entanto, os entendimentos sobre a evidência e recomendações na área da saúde são complexos e, por vezes, sujeitos a ideologias e crenças pessoais.

Num mundo onde existem inúmeras revistas científicas sobre nutrição e alimentação que publicam por ano mais de 30.000 artigos, o que faz os resultados de um estudo mais fiável do que outro? O facto de estar publicado numa revista científica, por si só, não garante que o estudo seja de qualidade ou relevante para a prática. Existem, assim, atualmente metodologias que avaliam criticamente a qualidade dos estudos. Estas metodologias são utilizadas, por exemplo, por entidades internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, na elaboração de recomendações alimentares e nutricionais. Estas permitem a avaliação rigorosa da qualidade da evidência e da força das recomendações nos cuidados de saúde.

O facto de nos alimentarmos todos os dias não faz de nós especialistas em alimentação. A alimentação é um fenómeno complexo e a sua relação com a saúde ainda está longe de estar completamente estabelecida. Como nos diz a professora Jeanne Goldberg, “a ciência da nutrição não é uma ciência de descobertas; é evolução, não revolução”.

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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