França: a batalha dos partidos tradicionais vai para além da segunda volta

Sem hipóteses de travar a grande "maré Macron", o desafio dos dirigentes do Partido Socialista e de Os Republicanos é provar a sua relevância política. A segunda volta das legisaltivas é domingo.

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Benoît Hamon responsabilizado por nova derrota eleitoral do PS LUSA/JULIEN DE ROSA

A batalha política que arrancou esta segunda-feira em França vai muito além da segunda volta das eleições legislativas para os dois grandes partidos tradicionais da política nacional. No rescaldo do fiasco eleitoral de domingo, os dirigentes e as bases do Partido Socialista e de os Republicanos têm pela frente semanas, e até meses, em que além de assacar responsabilidades e distribuir culpas, terão de encontrar novos líderes e novas ideias para relançar os respectivos movimentos.

Os poucos generais que sobraram nos quartéis dos socialistas e dos republicanos sabem que não dispõem de tropas para conseguir travar, no imediato, o avanço imparável do novo centro político criado por Emmanuel Macron, e que apesar da elevada abstenção se tornou totalmente dominante nas circunscrições metropolitanas. Entre mortos e feridos, o seu primeiro objectivo será evitar perder relevância para as margens, tanto à esquerda como à direita.

O momento para avaliar as baixas – e contar as espingardas – ficará para depois de domingo, dia da segunda volta das legislativas. Mas já há facas afiadas, e mudanças que se tornaram inevitáveis. Benoît Hamon, o fracassado candidato presidencial socialista que também não conseguiu fazer eleger-se para o Parlamento, parece condenado à penitência política eterna: na sua conta de Twitter, publicou uma reprodução da imagem mitológica de Sísifo, pintado por Ticiano a subir a montanha com a grande pedra de mármore às costas.

Como Hamon, outros cinco ministros do Governo socialista Hollande sofreram derrotas particularmente amargas, levando uma parte do partido a indiciá-los como os responsáveis pela hecatombe – de 300 assentos para 30, na mais optimista das projecções. No entanto, como sublinhava o editor de política do diário Le Monde, Nicolas Chapuis, num chat com os leitores, “é difícil atribuir a [responsabilidade pela] derrota a uma ou outra corrente do PS: o que se constata é que personalidades de todas as correntes viram-se eliminadas logo na primeira volta. Esta é uma derrota colectiva”, considerou, antecipando uma crise longa e dura.

A imprensa francesa destacava a tensão exibida por vários representantes da “elite” socialista à chegada à sede nacional do partido em Paris. Gérard Filoche, foi uma das vozes mais críticas. “Há cinco anos que andava a avisar que estávamos a caminhar contra um muro. Podíamos ter mudado de rumo, podíamos ter modificado as coisas. Mas só quando batemos em cheio contra o muro é que nos apercebemos do dano que isso provoca”, criticou o conhecido antigo inspector do trabalho francês. “Mas o que querem que faça agora, que salte para o Sena, que me flagele em praça pública?”, disse a senadora Laurence Rossignol, quando instada pelos jornalistas a reflectir sobre os resultados do partido.

Entre as hostes dos Republicanos, as lanças estão apontadas sobretudo ao antigo ministro das Finanças, François Baroin, que depois do insucesso da candidatura de François Fillon nas presidenciais, conduziu a campanha das legislativas com a expectativa de transformar o partido na maior força parlamentar em França. O problema para o partido é que se não tem dúvidas em identificar um “culpado” pelo mau resultado, não se consegue unir em relação às “soluções” para ultrapassar a crise: com as fracturas internas expostas, o próximo congresso anuncia-se como uma batalha entre as diversas facções, que para já ainda não identificaram os respectivos porta-estandartes (segundo o Le Monde, Laurent Wauquiez poderá avançar em nome da ala moderada).

Entretanto, permanece a dúvida sobre qual será o comportamento da emagrecida bancada dos Republicanos: serão uma oposição inflexível ao Governo Macron, ou estarão abertos a compromissos ao centro? Segundo o deputado Thierry Solère, existe um “pequeno grupo de cerca de 30” candidatos que estão disponíveis para apoiar a maioria de Macron se forem reeleitos para o Parlamento.

As dificuldades para os dois grandes partidos vão para lá do ambiente politicamente adverso, e têm também a ver com os menores recursos ao seu dispor. As consequências financeiras do resultado de domingo foram “colossais”, destacou Nicolas Chapuis, lembrando que o financiamento partidário depende do número de votos na primeira volta das legislativas e do número de deputados eleitos.

Para o movimento A República em Marcha (LREM, na sigla em francês) do Presidente Emmanuel Macron, o grande desafio para a segunda volta é vencer a fatiga ou apatia do eleitorado e mobilizar os franceses a participar numa votação que já tem um desfecho anunciado: uma maioria absoluta com 390 a 445 dos 577 assentos da assembleia. “A abstenção é um grande falhanço. Precisamos de restaurar a confiança na eleição”, frisou o ministro dos Assuntos Parlamentares e porta-voz do Governo, Christope Castaner.

O LREM só viu 19 dos seus 525 candidatos (em 577 circunscrições) eliminados na primeira volta. Como precisava o site Buzzfeed, ficaram de fora sobretudo candidatos que já tinham experiência política anterior (como eleitos ou conselheiros, a nível municipal, regional e nacional), e que se batiam em círculos do Norte, da Córsega ou territórios ultramarinos.

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