A Teresa nunca quis ganhar

E por isso é que a democracia é uma grande chatice, e quando a fome aperta não há estupidez à vista. Os lenços brancos agitam-se ao redor do estádio. Em uníssono, um povo diz adeus e até mais ver

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Marko Djurica/Reuters

Não, a Teresa nunca quis ganhar, e neste aspecto não podia, de modo algum, ter sido mais bem sucedida. E porquê, perguntam vossemecês? Por causa do Brexit, pois claro!

Desde logo, porque a Teresa nunca foi contra o Brexit, e depois porque enquanto de há um ano para cá os senhores do Parlamento Europeu se entretêm afincadamente a compilar todos os cargos, organizações, acordos, compromissos e assinaturas estabelecidas entre o Reino Unido e a Europa ao longo de décadas de (des)união europeia, os ingleses pouco mais têm feito para além de brincar ao "passa a morte e não ao mesmo", começando desde logo pela madrugada de 23 de Junho de 2016 e terminando no "harakiri" político de umas eleições fora de tempo, ou nem por isso.

E porque a Teresa nunca quis ganhar, fomos a votos, e fomos mesmo a votos, para que a Teresa não ganhasse, tal e qual como a Teresa quis e pediu.

E na assembleia de voto tanta gente! E na assembleia de voto crianças aos ombros e crianças ao colo, adolescentes a votar pela primeira vez na mão dos pais ao mesmo tempo que avós se estreiam nas urnas na mão dos filhos, e de repente tudo é uma festa e tudo é alegria e magia, porque hoje estamos juntos e o propósito é um e um só: dar uma ensaboadela à bruxa dos cortes e da austeridade, que de austeridade estamos todos fartos e lá fora, cá fora, também se vive mal.

Vamos para casa e eu acredito, acredito e quero acreditar no menino Jesus e no Pai Natal de umas eleições ainda por acontecer e concluir, e sonho. E adormeço, ou não fosse o cansaço o mal maior, mas só por meia hora, e depois de 15 minutos a arrastar o dedo no telemóvel eis chegada a hora mais as dez da noite e as sondagens à boca das urnas: a bruxa morreu! E porque sondagens são isso mesmo, sondagens, acordo a meia da noite, a ansiedade diante do ecrã, um compasso de espera enquanto se carrega no botão, o monitor com as notícias iluminadas e a bruxa morreu!

Estupefacto de tanta felicidade, acompanho a contagem até ser dia, só para ter a certeza.

E por isso é que a democracia é uma grande chatice, e quando a fome aperta não há estupidez à vista. Os lenços brancos agitam-se ao redor do estádio. Em uníssono, um povo diz adeus e até mais ver. A Teresa ganhou porque a Teresa perdeu. E porque a Teresa perdeu, tudo é, agora, uma questão de tempo. O Brexit já não será o da austeridade e a Teresa está a prazo, e se antes não conseguia dar conta do recado, agora então nem pensar e todo um partido é motivo de chacota global. Porque a Teresa nunca quis ganhar, e aqui entre nós, que ninguém nos ouve, o Brexit já era e, estou cada vez mais certo, pouco ou nada vai acontecer e daqui por cem anos ainda estamos todos dentro da União.

Mas antes de perder, dois portugueses dirigem-se à assembleia de voto da sua área de residência e, por ser tão difícil esquecer tudo quanto tem acontecido nos últimos 12 meses, falam tão alto, e riem tão alto, de volta à sua língua e a casa enquanto esperam pela sua vez de votar, e votar no lugar certo, para que os outros também não se esqueçam.

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