Com coisas sérias não se brinca

A imagem dos serviços secretos em Portugal é a de que são tudo menos operacionais e discretos.

Portugal tem estado fora dos roteiros do terrorismo. Para uns, é graças a Deus. Para outros, é graças a uma razão também religiosa, a de que os muçulmanos em Portugal são sobretudo ismaelitas. Para terceiros, graças à geografia e às correntes marítimas que empurram os refugiados do Mediterrâneo para outras costas. E há ainda quem considere que é graças à periferia europeia a que o país está votado. Mas isso não é razão para brincarmos com a segurança.

A existência de serviços secretos operacionais é hoje uma exigência das democracias. Não para fazer delas Estados policiados. Nem para pôr em causa os direitos dos cidadãos à sua privacidade e sobretudo à sua liberdade. Mas precisamente para garantir aos cidadãos a liberdade de viverem as suas vidas.

Ora, a imagem dos serviços secretos em Portugal é a de que são tudo menos operacionais e discretos. Melhor dizendo, as sucessivas trapalhadas que na última década têm perturbado os serviços secretos dão a ideia de que se trata de uma espécie de “tropa fandanga” que anda à mercê de jogos de interesses privados e de pressões políticas.

Desde os ditos “espiões” que vêm a público denunciar interesses de grupo dentro dos serviços de informações, até à exposição pública de teias de ligação às maçonarias de outros agentes ditos secretos, passando pelo noticiário sobre vigilância a jornalistas, os serviços secretos em Portugal não têm saído das manchetes dos jornais e sempre por maus motivos.

Há tempo — para ser mais precisa, desde o Governo de Passos Coelho — que Júlio Pereira manifestou interesse em deixar a chefia do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). A sua disponibilidade para sair foi renovada quando entrou em funções o actual primeiro-ministro, António Costa. Desde há muito também que se fala na necessidade de reorganizar os serviços secretos tendo em conta os desafios da sociedade hoje.

Agora, o país voltou a ver os serviços secretos nas manchetes porque o primeiro-ministro, que tutela o sector, não teve o devido cuidado a seleccionar a figura que ia nomear para a “chefia das secretas”. Optou por indicar alguém que ele próprio, António Costa, considera ter uma folha de serviços diplomáticos brilhante e sem mácula, mas que em Timor, num momento crítico como o do referendo sobre a independência em 1999, demonstrou medo. O que — convenhamos — é humano. Admito mesmo que à época e naquelas circunstâncias só um tonto que ali estivesse não sentiria medo.

Mas o facto de ter sido então noticiada a forma como Pereira Gomes agiu sob a pressão dos acontecimentos é suficiente para perceber que podia não ter perfil para a missão de dirigir os SIRP. Mais:  foi esta semana noticiado pelo Diário de Notícias que Pereira Gomes não informou o Governo português do conhecimento que teve dos planos indonésios para espalhar o terror em Timor se o resultado do referendo fosse a independência, o que veio a verificar-se. O agora embaixador nega, mas a notícia não caiu das nuvens.

Paralelamente, vive-se no Parlamento um impasse político para a eleição da presidência do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República Portuguesa. O PS votou contra a eleição de Teresa Morais. Reconheça-se que a candidata, quer pelo seu currículo (até já integrou este órgão) quer pelo sentido de Estado que demonstrou em todas as funções públicas que desempenhou, está à altura do cargo. A embirração do PS com o seu nome, sem nenhuma explicação consistente, cheira a “politiquice rasca”. Num sector sensível como o da segurança, a atitude do PS surge como uma brincadeira de crianças que fingem estar a tratar de assuntos sérios.

Resta saber como vai acabar a aprovação da lei sobre metadados. Tanto mais que atribui poderes imensos aos serviços secretos para rastrearem a vida de todos os cidadãos. Pode ser que esta lei seja aprovada sem percalços, mas era importante que a estabilização e reorganização das secretas viesse em breve. É que, como diz o ditado, com coisas sérias não se brinca.

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