Saída de offshores da "lista negra" foi decisão política, sem parecer final do fisco

Autoridade tributária deu pareceres entre 2014 e 2015 onde pedia mais informação para se decidir a retirada de territórios da “lista negra”, mas mais tarde propôs revisões.

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Rocha Andrade e Mário Centeno recusam a acusação da direita de que o Governo violou a lei Miguel Manso

O Governo assume que a iniciativa de retirar o Uruguai, Jersey e Ilha de Man da “lista negra” dos paraísos fiscais foi uma decisão política, baseada na “ponderação global” dos critérios da lei portuguesa. O Ministério das Finanças garante que teve a colaboração activa da Autoridade Tributária (AT) quer na decisão de retirar estas jurisdições da lista mais apertada de paraísos fiscais, quer na alteração legislativa que cria, nalguns casos, uma espécie de “lista cinzenta” para offshores.

Contudo, não existe um parecer formal e final sobre este envolvimento do fisco, apenas existem pareceres anteriores (de 2014 e 2015) onde a AT diz que são precisas mais informações para ser cumprida a lei que permite os offshores serem considerados cooperantes, e um parecer de 2016 que recomenda a revisão desta listagem.

Este foi, para a oposição, o caso que marcou a semana, acusando o executivo de não cumprir a lei e de tomar uma decisão contra os pareceres do fisco. A polémica existe porque na história do processo não há um parecer final da AT que sustente a decisão; existem, primeiro, documentos que não concluem taxativamente pela retirada (um do Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros sobre o Uruguai de 2015 e outro de 2014, pelo menos); e existem outros posteriores que defendem uma revisão da lista (foi entregue ao Parlamento um sobre Jersey, de 2016).

Em relação à Ilha de Man, não há nenhum parecer formal, apenas comunicações com aquela jurisdição. A partir da segunda metade de 2015, a AT foi mudando as recomendações que inscrevia nos pareceres aos pedidos de saída das jurisdições, não se referindo ao caso em concreto, mas recomendando na conclusão uma revisão da lista.

O Governo assume que a decisão foi política, mas insiste que a AT foi envolvida em dois momentos: na decisão da retirada e na decisão de alterar a lei – mudou o artigo 63ºD da Lei Geral Tributária (que tem estado em causa), criando uma espécie de “lista cinzenta”, que na prática significa que há alguns territórios que continuam a ser considerados paraísos fiscais, porque têm impostos baixos, embora já não estejam na “lista negra”, uma vez que passaram a ser cooperantes. “Ainda que os trabalhos conducentes à revisão tenham sido realizados com a participação da Autoridade Tributária e Aduaneira, envolvendo, assim, os serviços da Administração Pública, a responsabilidade pela decisão da revisão é do Governo”, afirma o Ministério das Finanças, em resposta ao PÚBLICO.

São duas posições em confronto. O executivo e a oposição defendem paradigmas de gestão da relação com as offshores de modo diferente. Na argumentação do ministério de Mário Centeno, é dito que “é mais importante para o combate à fraude e evasão fiscal o acesso a informação financeira e fiscal disponibilizada por outras jurisdições” do que a presença “numa lista”. Já a oposição defende que deve haver primeiro a prova de uma troca efectiva de documentação. “A troca de informações é aqui o meio mais eficaz”, contrapõe o Governo, acrescentando que certos territórios “estão pouco disponíveis para cooperar com países que as colocam numa lista de não cooperantes” e que a pertença a um bloco negro pode ser um “obstáculo” e colocar “dificuldades diplomáticas”.

O que levou à decisão

As decisões sobre a saída dos três destinos têm como base comum uma interpretação do Governo de que o artigo 63.ºD da Lei Geral Tributária é para ser lido numa “ponderação global” e não de cada critério isolado.

É aqui que a interpretação do Governo choca com a da oposição, que duvida da legalidade da decisão. O PSD e CDS sustentam-se em pareceres da AT anteriores que iam em sentido contrário. Segundo documentos a que o PÚBLICO teve acesso, o fisco frisava que, para o executivo se decidir pela retirada de um Estado, deveria considerar os critérios da lei nacional. Num deles, referia que “não pode, nem deve limitar-se às conclusões” de outras organizações ou Estados.

É preciso, no entanto, ver o que se passou a seguir – quer nos procedimentos e na própria lei. E esse é o argumento do Governo apresenta na resposta ao PÚBLICO (igual à enviada ao Parlamento): agora, os territórios que não façam parte da “lista negra” podem ser considerados paraísos fiscais se, mesmo quando são cooperantes, tiverem baixa tributação. Nesse caso é-lhes aplicada automaticamente uma cláusula de salvaguarda que previne o desvio das bases tributárias por causa desses esquemas de planeamento fiscal, reforça o Governo.

Em teoria, estão fora da “lista negra”, deixando de ter essa conotação; na prática, estão na “lista negra” sem o estar, sendo à mesma considerados “países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável”.

Em relação ao Uruguai, os dois pareceres já referidos (de 2014 e 2015) concluíam que era preciso mais informações sobre o sistema fiscal do país (IRC de 25%) e sobre a prática administrativa (relativa à troca de informações). Só mais tarde houve uma nova avaliação da OCDE sobre a transparência e troca de informações. A organização concluiu que o país cumpre “largamente” os critérios internacionais; e já em 2016, o Uruguai aderiu à Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa.

O Governo sustenta que, perante as avaliações, ficavam cumpridos os critérios legais. A oposição, no entanto, insiste que há pareceres anteriores que são contraditórios. Num dos documentos a que o PÚBLICO teve acesso, a AT apontava questões relacionadas com a baixa tributação no Uruguai (por exemplo, embora o IRC seja de 25%, o rendimento com origem fora do território não é aí tributado e o país tem 12 zonas francas com isenções ficais).

A alteração da lei este ano salvaguarda as questões que têm a ver com a tributação baixa na Ilha de Man e Jersey (IRC de 0% ou 10% nalguns casos), porque são consideradas cooperantes. Se em relação a Ilha Man não há pareceres, no que toca a Jersey, o documento mais recente não recomenda directamente a saída, mas salienta que é um território cooperante e propõe genericamente revisões da lista.

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