Rendimento Básico (In)condicional?

As mudanças que se verificam a nível do mercado de trabalho fomentam a crescente necessidade de encontrar uma solução que prepare a sociedade para a ameaça da substituição de postos de trabalho, essencialmente pouco qualificado e fracamente remunerado, por substitutos mais eficientes.

Com uma taxa de desemprego de 8,7% em Dezembro de 2016 (Eurostat), a Finlândia lançou em Janeiro deste ano um projecto-piloto que atribui um rendimento mensal no valor de 560 euros, durante dois anos, a 2000 desempregados escolhidos aleatoriamente para esta “experiência”. Os participantes irão receber esta transferência incondicionalmente, o que significa que, mesmo que encontrem trabalho no decorrer da experiência, continuarão a receber o montante nas condições iniciais.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Com uma taxa de desemprego de 8,7% em Dezembro de 2016 (Eurostat), a Finlândia lançou em Janeiro deste ano um projecto-piloto que atribui um rendimento mensal no valor de 560 euros, durante dois anos, a 2000 desempregados escolhidos aleatoriamente para esta “experiência”. Os participantes irão receber esta transferência incondicionalmente, o que significa que, mesmo que encontrem trabalho no decorrer da experiência, continuarão a receber o montante nas condições iniciais.

Esta ideia de um rendimento básico incondicional (RBI) é antiga – foi introduzida no século XVI por Thomas More e mais tarde desenvolvida por Milton Friedman no seu livro “Capitalism and Freedom”. Tem, atualmente, vindo a ganhar espaço na agenda mediática e política nos últimos anos, sendo agora aplicada a título experimental na Finlândia, e tendo sido referendada na Suíça em 2016, onde foi reprovada com apenas 25% de votos a favor.

Esta discussão está relacionada com o desenvolvimento da inteligência artificial e da robótica –  a chamada IV Revolução Industrial. Segundo Klaus Schwab, o fundador e presidente executivo do World Economic Forum, esta tem o potencial de elevar os níveis globais de rendimento e de melhorar a qualidade de vida das populações, alegando ainda que, a longo-prazo, a inovação tecnológica trará ganhos de produtividade e eficiência que irão abrir novos mercados e levar a um exponencial crescimento económico. No entanto, as mudanças que se verificam a nível do mercado de trabalho fomentam a crescente necessidade de encontrar uma solução que prepare a sociedade para a ameaça da substituição de postos de trabalho, essencialmente pouco qualificado e fracamente remunerado, por substitutos mais eficientes. Schwab salienta que os principais beneficiários destas inovações serão os proprietários do capital, o que explica que apesar de haver uma tendência para um aumento da riqueza, esta será acompanhada por uma maior desigualdade na sua distribuição.

Acrescentando a este cenário um fraco crescimento dos salários reais, leis laborais desajustadas, assim como os atuais desafios globais como a crise financeira, e a ameaça de uma fragmentação da UE, justifica-se a atual importância de voltar a debater uma implementação de um RBI, assegurando a todos um meio de subsistência.

Sendo ainda um tema bastante controverso, as vantagens e desvantagens que dele advêm não se encontram ainda clarificadas. Um dos autores contemporâneos que mais se debruçou sobre o RBI, Philippe Van Parijs, descreve este conceito na sua forma mais básica, como um rendimento garantido, pago por uma comunidade política e concedido a cada cidadão, independentemente deste integrar um emprego pago e das suas condições financeira e familiar. Deixando de parte questões igualmente controversas como o seu financiamento, outra discussão interessante prende-se com os incentivos ao trabalho dos beneficiários. Irão as pessoas continuar a trabalhar, mesmo com as suas necessidades básicas previamente atendidas?

Até que ponto podemos esperar que parte da população empregada, principalmente a que recebe baixos salários, deixe os seus empregos por não se justificar o esforço de trabalhar? E será que os desempregados farão um esforço menor de procura de emprego,  preferindo viver exclusivamente deste rendimento base?

Nos moldes atuais, alguém que beneficie de um apoio do estado perde uma parte do mesmo ao encontrar um emprego. Por exemplo, alguém que receba, digamos, 180 euros da Segurança Social, e encontre um emprego em tempo parcial com um salário de 300, na hipótese de perder a totalidade da transferência, passa de 180 para 300 euros – na prática, o emprego traz um rendimento acrescido de apenas 120 euros. O projeto finlandês elimina este problema – dado que o rendimento recebido do estado se mantém incondicionalmente. É nesta diferença fundamental que reside a principal vantagem de uma transferência de tipo RBI. Nesse sentido, o que resultar da experiência piloto da Finlândia será determinante, dado que esta visa exatamente avaliar a reacção da população desempregada, que, ao encontrar um emprego, não enfrentará a decisão entre receber um rendimento base garantido sem trabalhar, ou em aceitar um emprego e perder o direito ao mesmo.

Por outro lado, também a emancipação do trabalhador cria um incentivo à procura de emprego que seja mais satisfatórios para cada um. Nesta perspetiva, os trabalhadores com baixos salários deixarem os seus empregos não é necessariamente uma  consequência negativa, se considerarmos que estes teriam como objetivo a sua substituição por outras atividades da sua preferência, tal como o investimento na formação profissional, dedicação ao trabalho voluntário ou mesmo iniciar um negócio próprio.

Considerando as vantagens que o RBI pode trazer a uma UE atualmente frágil e desacreditada, acredito que esta medida entrará cada vez mais nas agendas políticas, não só enquanto medida no combate à precariedade, mas também como um possível substituto dos atuais sistemas de segurança social.

 

Artigo escrito segundo o novo Acordo Ortográfico