CHUCK, a despedida humilde de um gigante

O último álbum de Chuck Berry, o pai do rock'n'roll, falecido em Março, foi editado esta sexta-feira. É um álbum de família, a de sangue e a musical.

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Já octagenário, Chuck Berry continuava a actuar regularmente em palco Reuters

Foi verdadeiramente um trabalho de longa duração – demorou mais de duas décadas a ficar preparado. Quando foi anunciado, a 18 de Outubro de 2016, Chuck Berry cumpria exactamente 90 anos sobre o planeta que ajudou a moldar quando, nos anos 1950, cristalizou aquilo que viemos a chamar rock’n’roll. Em Outubro de 2016, soubemos que Berry tinha um último trunfo na manga, CHUCK, o seu primeiro álbum de originais desde Rock It, editado em 1979. O cantor de Johnny B. Goode morreu a 17 de Março, sucumbindo a uma pneumonia. CHUCK, a despedida, é um resumo do seu legado, como que um álbum de homenagem criado pelo próprio com a ajuda da família e amigos como Tom Morello, dos Rage Against The Machine, ou o guitarrista Gary Clark Jr.

Como os bluesmen que foram primeira inspiração, como os músicos em que modelou a sua actividade, os homens da soul e do rhythm’n’blues habituados a fazerem da vida na estrada a única vida que conheciam, Chuck Berry tocou (quase) até ao fim. Durante 21 anos, e até aos 87 anos, actuou mensalmente no Blueberry Hill, um clube na sua cidade natal, St. Louis, no Missouri, isto para além das digressões mais longas pelos Estados Unidos e, até 2008, pela Europa – na maior parte das vezes, fazia questão de ser ele mesmo a conduzir o carro que o levava aos concertos.

CHUCK é um álbum rock’n’roll de marca Chuck Berry, com uma revisita ao mítico Johnny B. Goode, intitulado Lady B. Goode, com uma releitura de Havana moon, agora intitulada Jamaica moon, apropriadamente cantada no patois respectivo. Contendo registos que atravessam três décadas – as dez canções contemplam gravações feitas entre 1991 e 2014 –, o álbum foi registado em vários estúdios de St. Louis e teve na mulher de Chuck Berry, Themeta Berry, com quem esteve casado 68 anos, o principal guia das operações. Quando uma canção parecia completa, Chuck chegava a casa e tocava-a a Themeta, contou à Rolling Stone o filho de ambos, Charles Jr, guitarrista em várias canções de CHUCK – no álbum também participa a filha, Ingrid Berry, na harmónica. “A minha mãe erguia ou baixava o polegar. Polegar para cima, estava feito. Polegar para baixo e ‘bem, ainda tenho trabalho pela frente’”, recordou Charles. O álbum abre precisamente com Wonderful woman, que conta com a participação de Gary Clark Jr. e que é dedicada a Themeta: “My darling, I’m growing old”, canta Chuck.

CHUCK é um trabalho de família, a de sangue, e a musical, corporizada, por exemplo, na figura de Jimmy Marsala, o baixista que acompanhava Berry desde a década de 1970. É um olhar para o passado, no tom de contador de histórias em modo blues, como ouvimos em Dutchman, sobre um cantor feito alma penada que conta sucessos do passado e amores amaldiçoados ao balcão do bar. É um álbum em que Chuck Berry revisita e reafirma a linguagem que registou como marca e que se tornou a mais influente na segunda metade do século XX, com aqueles riffs característicos, seguidos pelo piano, a surgirem na supracitada Lady B. Goode ou em Big boys (com Tom Morello e Nathaniel Rateliff), viagem aos tempos em que o gigante Chuck era apenas um miúdo a tentar um lugar entre os grandes. Conseguiu-o, como bem sabemos. E para fim dessa história, a sua, deixou CHUCK, a despedida humilde de um gigante. 

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