Comey foi ao Senado, mas o ponteiro do impeachment não se mexeu

Ex-director do FBI acusou Donald Trump de lhe ter pedido para deixar de investigar Michael Flynn, mas também disse que o Presidente não estava a ser investigado. Foram quatro horas de audição e no final todos ganharam.

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James Comey foi despedido por Donald Trump em Maio SHAWN THEW/epa
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Muitos tinham pago bilhete para assistirem ao combate do século, num canto o ex-director do FBI, no outro um grupo de senadores do Partido Republicano treinados por Donald Trump. No final, quem entrou com as expectativas em alta para a audição de James Comey na Comissão de Serviços Secretos do Senado, esta quinta-feira, teve de se contentar com um treino de preparação – sim, James Comey disse coisas que seriam um escândalo de primeira página há poucos anos, mas após a campanha eleitoral do ano passado nos Estados Unidos já poucos se contentam com menos do que a resposta a uma única pergunta: afinal, ele vai ser destituído?

Não faltaram momentos quentes durante as quase quatro horas em que James Comey foi sujeito às perguntas dos membros da Comissão de Serviços Secretos do Senado, debaixo do olhar de milhões de norte-americanos que interromperam o seu dia-a-dia para acompanharem a saga através das televisões lá de casa e em bares.

O principal motivo de interesse era saber se o ex-director do FBI iria dizer com todas as letras aquilo de que parece estar convencido: que o Presidente Donald Trump é culpado de obstrução à justiça –  o que, em último caso, é um dos motivos pelos quais um Presidente pode ser destituído.

Mas James Comey não foi tão longe, ficando-se pela afirmação de que Donald Trump o instruiu, numa ocasião, a deixar cair a investigação do FBI sobre Michael Flynn (o homem que foi forçado a demitir-se do posto de conselheiro de Segurança Nacional por ter mentido ao vice-presidente sobre o conteúdo das conversas que teve com o embaixador da Rússia em Washington).

Mas para perceber esta confusão é melhor puxar um pouco o filme atrás.

No dia 6 de Janeiro, ainda Donald Trump estava à espera que Barack Obama saísse da Casa Branca, os líderes das agências de serviços secretos norte-americanos foram à Trump Tower, em Manhattan, pôr o futuro Presidente ao corrente das actividades da Rússia para interferir nas eleições do ano passado. No final dessa reunião, James Comey deixou-se ficar para trás e, a sós com Trump, disse-lhe que havia um relatório cuja veracidade não tinha sido confirmada, mas que poderia ser usado contra ele se caísse nos jornais – nesse documento, dizia-se que Trump tinha passado tempo com prostitutas na Rússia e que havia provas desse encontro, o que poderia ser usado para o chantagear.

A partir daí, a relação entre Trump e Comey foi-se deteriorando a cada conversa – ao todo, foram nove, e o então director do FBI disse que apontou os pontos principais de cada uma delas porque acreditava que o Presidente estava a ultrapassar o risco. Ao contrário do que é tradição nos EUA, e apesar de ser na prática o patrão do director do FBI, o Presidente nem sequer fala directamente com ele – o protocolo diz que tudo passa pelo procurador-geral.

Durante essas conversas, Comey diz que Trump lhe pediu para deixar cair a investigação a Michael Flynn, mas também disse que esperava dele "lealdade" e que fizesse alguma coisa para pôr fim aos rumores de que ele próprio estava a ser investigado pelo FBI por possíveis relações com a Rússia. O problema para James Comey é que nada do que foi dito naquelas conversas parece ter ficado gravado, ao contrário do que Donald Trump chegou a insinuar.

Durante a audição desta quinta-feira, ficou evidente que os senadores do Partido Republicano tentaram passar a mensagem de que a única coisa que tinham entre mãos era a palavra de um contra o outro – ainda por cima, James Comey só podia dizer que aquela era a sua interpretação da conversa, o que foi explorado pelos senadores do Partido Republicano para sublinharem que podia haver outras interpretações.

Do outro lado, os senadores do Partido Democrata tentaram pôr em evidência que o Presidente não só tentou obstruir a justiça, ao sugerir a Comey que deixasse cair a investigação a Flynn, como concretizou essa obstrução, ao despedir o director do FBI, no dia 9 de Maio – depois de todas essas conversas, e depois de Comey se ter recusado a fazer o que o Presidente lhe pediu.

No final, cada parte levou da audição o que lhe interessava, e ficou a ideia de que esta batalha está ainda no início – como o processo de destituição é político e depende muito da capacidade para convencer outros membros da Câmara dos Representantes e senadores de que o Presidente obstruiu a justiça quando disse ao director do FBI para deixar cair a investigação, ter James Comey a dizer que Donald Trump mentiu quando disse que ele não tinha mão no FBI e que difamou a sua imagem pode conquistar mais uns quantos membros do Partido Democrata para uma guerra brutal, que muitos deles não estão ainda preparados para travar.

No Partido Republicano – e principalmente na Casa Branca – o ambiente era de triunfo. Pela voz do seu advogado pessoal, Donald Trump pegou apenas na parte da audição que lhe interessava e pintou uma narrativa vitoriosa: James Comey admitiu publicamente, pela primeira vez, que Donald Trump não estava a ser investigado enquanto ele esteve à frente do FBI; disse a Comey que não se importava se algum dos seus colaboradores de campanha fosse acusado de conluio com a Rússia; e até admitiu que foi ele quem passou aos jornalistas o memorando de uma das conversas com Donald Trump.

Numa comunicação sem direito a perguntas depois da audição de James Comey, o advogado de Donald Trump, Marc E. Kasowitz, deu a entender que o ex-director do FBI terá de responder perante a justiça por causa dessas fugas de informação: "Admitiu que passou informação de comunicações privilegiadas com o Presidente. Disse que o fez na esperança de que fosse nomeado um procurador especial para a investigação sobre a Rússia. Vamos deixar que as autoridades digam se essas fugas de informação devem ser investigadas."

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