O ferroviário na teia de aranha

Uma sátira à volta de um homem honesto apanhado nas teias da corrupção: Glória.

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Um ferroviário, um saco de dinheiro e as autoridades...

Há qualquer coisa de Tatiesco na inexorável mecânica do desastre que Glória põe em marcha. Não que a terceira longa da dupla búlgara formada por Kristina Grozeva e Petar Valchanov (A Lição) seja uma comédia; quanto muito, será uma sátira escarninha, devastadora.

Mas a maneira como tudo se encadeia, com as mais simples acções a desencadearem uma sequência de consequências catastróficas, faz pensar num Tati desesperado apanhado numa teia de aranha kafkiana.

Um ferroviário de província encontra um saco cheio de dinheiro e devolve-o às autoridades. O rasgo de altruísmo é aproveitado para uma operação de relações públicas do ministério dos transportes e Tzanko vê-se apanhado num jogo de poder à volta de acusações de corrupção endémica, onde a sua principal adversária é Julia, a mesquinha assessora do ministério (criação notável de Margita Gosheva).

No seu olhar sobre a natureza clientelista da democracia tal como é praticada nos antigos países da Cortina de Ferro, Glória tem mais pontos de contacto com russos ou aparentados como Balabanov, Zvyagintsev ou Loznitsa do que com os romenos que têm dominado o cinema de Leste. Mas a ambiguidade que o filme ainda consegue ir mantendo, ao mergulhar num pesadelo sem regresso, choca de frente com o mecanismo de relojoaria da narrativa – à imagem do relógio de pulso que está no centro do conflito.

Essa precisão sugere qualquer coisa de pré-determinado, de pesadamente demonstrativo, que nem a inteligência de algumas opções de realização nem a entrega dos actores consegue evitar.

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