Luciano Alvarez não diz a verdade

A decisão sobre a evacuação da nossa missão foi complexa.

Num artigo publicado no PÚBLICO, que li indignado, Luciano Alvarez acusa o embaixador José Júlio Pereira Gomes de, quando chefe da missão portuguesa de observadores por ocasião do referendo em Timor, em 1999, ter abandonado o território quando, após o anúncio dos resultados do referendo, estavam refugiados na UNAMET, contrariando as directivas do Governo e de ter abandonado os timorenses que trabalhavam com a missão portuguesa. Sucede que quem está a mentir é Luciano Alvarez.

Eu era então Encarregado de Missão para os Assuntos de Timor junto do ministro dos Negócios Estrangeiros, na altura Jaime Gama. Afirma Luciano Alvarez que foi a minha colega e amiga Ana Gomes que sugeriu o nome de Pereira Gomes. Tenho ideia de, como é natural, ter trocado com ela impressões sobre essa escolha e é possível que Ana Gomes tenha falado nisso com Jaime Gama. Mas, formalmente, fui eu que propus o nome ao ministro e quem transmitiu o convite para esse lugar.

A decisão sobre a evacuação da nossa missão foi complexa. Ponderaram-se diversos factores, entre os quais terão pesado, quer a situação no terreno tal como entendida pelo chefe e outros membros da missão, quer a constatação por quem de direito de que não haveria condições de segurança para a sua permanência, quer, como abaixo se verá, o destino dos timorenses ao serviço da nossa missão. Mas ao fim de um longo dia em que, com a preciosa ajuda do Francisco Ribeiro Menezes, estivemos em diálogo, por um lado com Jaime Gama, que se bem recordo estava inicialmente num Conselho da UE em Tamper, e por outro, não só com Pereira Gomes, como com diversos elementos da missão, para melhor avaliar o sentimento geral, transmitimos ao chefe da missão a autorização do Governo português para que deixasse Timor. Não é pois verdade que o tenha feito contrariando as instruções de Lisboa.

Quanto aos timorenses que trabalhavam para a missão portuguesa, Pereira Gomes tinha conseguido garantir que, como sucedia com os que integravam a UNAMET, saíssem juntamente com a nossa missão. Essa, aliás, foi uma das considerações que pesaram na decisão final, pois se a missão portuguesa ficasse, as autoridades indonésias não permitiriam a saída dos timorenses, com óbvio risco para as suas vidas.

Antes de deixar Timor, Pereira Gomes entregou ainda o seu telefone satélite a um jornalista, australiano ou americano, não me lembro bem, que não quis sair com a evacuação da ONU e ali se manteve dando conta da evolução dos acontecimentos. Não são pois verdade as acusações de Luciano Alvarez, o qual, se bem me recordo, deixou também Timor no mesmo dia, integrando a evacuação da UNAMET.

Logo à chegada a Lisboa, Luciano Alvarez e outros dois jornalistas que o acompanharam foram críticos do comportamento de Pereira Gomes e laudatórios do seu. Lembro-me de, uns tempos depois, almoçando em Lisboa com Ian Martin, lhe ter contado esse facto e da indignação com quer reagiu, enaltecendo a atitude da nossa missão durante todo o processo e prontificando-se a declará-lo em público caso fosse necessário.

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