"Genius": Einstein desmitificado

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A série decorre no National Geographic Channel e merece ser vista, sobretudo pela imagem realista que oferece do "génio", como da própria "descoberta" científica. Descoberta ou "invenção"/"imposição", como diria Kant, a ciência é "humana", e "Genius" não o esconde, cedendo, aliás, um retrato bastante aceitável da forma como se comporta uma comunidade científica, nos termos de um contexto epocal muito peculiar. A velha divisão epistemológica prevalece: a ciência evolui linearmente ou limita-se a um processo de substituição de modelos? Citando «A Síntese (im)Perfeita» (2017), "sobre os ombros de gigantes me coloco, prevenindo, reforçando, a queda". A queda de Einstein pareceu, por vezes, inevitável, não deixou, contudo, o cientista de planar aos ombros do seu próprio gigantismo. Bem sabemos que a ciência possui as duas índoles: "evolutiva", como em Popper, e "revolutiva", como em Kuhn. O Einstein que "Genius" nos apresenta "cria", obviamente, com base no que já existe, e, no entanto, o que há de mais especial no homem é a sua capacidade intuitiva, a forma como conseguia "baralhar e voltar a dar" as cartas do jogo "racional", característica realmente genial e nem por isso menos humana, como a que grassa na origem das grandes filosofias (que, ademais, aproxima a razão tipicamente científica duma outra, a filosófica, noética, levando-nos, de algum modo a uni-las numa só coisa, nutrida igualmente pelo "sentir" e, bem vendo, pela fé, condimento fundamental que, no génio, alimenta, raciona, boa parte da motivação científica). De acrescentar que, no contexto "materialista" das ciências "físicas", a "revolução" implica "evolução": a intuição gere a razão e vice-versa, e ambas permitem construir novos princípios, os quais, científica e socialmente, transformam as razão e intuição seguintes; é um processo gradativo que leva ao crescimento da matriz de entendimento.

O físico teórico é um filósofo, ainda assim, começando, talvez, por ser mais "continental", continuando-se, claro, na esfera analítica (com esta a subjazer à anterior). Como em todos os grandes filósofos, a imaginação requer algum caos iniciático. "A imaginação é mais importante que o conhecimento", como dizia o homem. E dizia o outro (Nietzsche), como bem se sabe, "É preciso muito caos para fazer parir uma estrela que dança". A montanha não pôde ser alcançada sem grande dose de "caos" ou "humanidade", não admirando que Einstein cedo começasse a demonstrar preocupações éticas e ontológicas. A obra do homem evoluiu e revolucionou. E bem sabemos que todo o revolucionário corre o risco de perder facilmente a credibilidade. Nasceu, assim, um novo paradigma, não sem ter sido formulado aos "ombros de gigantes", mas a aceitação do génio demorou, não teria ocorrido, pois, sem a persistência do homem (e sem o esforço evolutivo de comprovação do novo domínio com base no conteúdo lógico dos antigos paradigmas).

Ora, não é costumeiramente menos caótico o fundamento da persistência, e não era pouco egoísta o cientista, que, à custa da obsessão, talhou uma série de despojos. "É pela ciência", dirão alguns, mas nós desconfiamos que subsiste, por aqui, um intento de fama, de glorificação pessoal. A série também não encobre este processo, aliás, humaniza tanto o cientista que, às tantas, nos vemos obrigados a cortar a língua mitificada. Mas o "génio" não se perde, porque, no plano psicológico e da socialização, o homem era um ingénuo, antes pelo contrário, a primeira exige a segunda, e é isto o que mais desperta em "Genius", se lhe acrescermos também a curiosa reconstrução histórica, bem como o contágio de uma "Zeitgeist".

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