Chefe das secretas vai ser posto à prova no Parlamento

A audição parlamentar do secretário-geral indigitado por António Costa promete ser quente. Da esquerda à direita. Marcelo comentou ontem o assunto e Helena Roseta diz que escolha foi “perigosa”.

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Helena Roseta: mais uma socialista ao ataque ENRIC VIVES-RUBIO

Nem a declaração de António Costa ao PÚBLICO, na quinta-feira, nem as afirmações produzidas nesta sexta-feira na Covilhã, reiterando “a confiança” que tem em José Júlio Pereira Gomes, indigitado para chefe do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP) — as secretas — cala a deputada do PS Helena Roseta. Ao PÚBLICO, Roseta manifesta as suas reservas quanto à escolha feita pelo primeiro-ministro, assume que alertou “quem tinha de alertar” e mostra-se confiante num recuo. “O primeiro-ministro não vive isolado do mundo”, diz. “Tenho falado com vários deputados de vários partidos que me têm manifestado preocupação”.

O PSD foi a primeira força política a dizer-se “apreensiva” com as revelações sobre a passagem de Pereira Gomes por Timor-Leste. Mas não foi a única. Ontem, nas jornadas parlamentares do BE, Catarina Martins pediu ao primeiro-ministro para “reconsiderar” a escolha. “Aguardamos que o Governo diga alguma coisa sobre esta matéria”, disse a bloquista, para quem as polémicas causam “incómodo”, mas o que “tem vindo a ser relatado aumenta as preocupações”.

O CDS-PP também fez questão de dizer que “os serviços não podem estar sujeitos a graus de dúvida e de incerteza” e que a actual situação “é grave”. Telmo Correia, vice-presidente do partido, explicou ao PÚBLICO que o CDS vê “com preocupação um futuro secretário-geral do SIRP a receber uma série de críticas e de denúncias públicas que partem de dentro do PS” e às quais se somam declarações de jornalistas. “É grave e tem de ser esclarecido. Há uma audição que é obrigatória e queremos ver isso esclarecido”.

Nem Marcelo Rebelo de Sousa se colocou à parte da polémica. O Presidente da República colocou a audição parlamentar do secretário--geral indigitado para os serviços de informações como determinante para a conclusão do processo de nomeação de José Júlio Pereira Gomes. Um processo que, frisou, “passa pelo Parlamento e pelo Governo”, ainda que as nomeações dos dirigentes das secretas sejam da exclusiva competência do primeiro-ministro.

Nos Açores, onde está de visita, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que as audições parlamentares “são muito importantes em termos do esclarecimento no processo de designação”, e não uma mera formalidade. “Nunca é formal, é sempre substancial. Não se trata de cumprir um pró-forma, de alguém que chega, que pode ficar em silêncio e depois sai em silêncio porque se cumpriu o formalismo”, salientou.

O chefe de Estado garantiu que “acompanha esse processo com atenção”, embora “não tenha competência para intervir”, mas também afirmou que não daria publicamente a sua opinião. Sobre uma possível intervenção sua, para resolver a polémica, declarou: “Se for chamado a intervir de modo discreto, significa que aí estaríamos no domínio do magistério de influência do Presidente”. Não é o Presidente quem nomeia, não é o Presidente que procede a audições. Seria o Presidente a informar--se e a tentar ajudar com o seu magistério de influência. E, para ser eficaz, tinha de ser discreto. Portanto, não iria dizer em que consistiria esse magistério de influência”, completou.

Pelas declarações de Catarina Martins e Telmo Correia e pela apreensão demonstrada pelo PSD, tudo indica que o momento da audição parlamentar de José Júlio Pereira Gomes (ainda por marcar) não vai ser uma mera formalidade. Poderá não ser decisivo, porque a presença perante os deputados das comissões de Defesa Nacional e de Assuntos Constitucionais não tem necessariamente efeitos na nomeação, mas tudo depende da sensibilidade de António Costa. É por isso que Helena Roseta sublinha que “o primeiro-ministro não vive isolado do mundo”. E é verdade que ontem, na Covilhã, o primeiro-ministro também deu a entender que a nomeação de Pereira Gomes poderá depender de este conseguir esclarecer os deputados.

Helena Roseta é que parece já ter a opinião formada. Diz que Pereira Gomes “não esteve à altura dos acontecimentos em Timor-Leste” e que mostrou “não ser à prova de bala”, como precisa de ser no cargo de chefe das secretas, onde será colocado perante pressões ainda mais fortes. “Este lugar não é escrutinado, é da confiança do primeiro-ministro, não tem de prestar contas à Assembleia da República. Se se escolhe para este lugar alguém que não esteve à altura numa situação-limite, então pode ser perigoso. É intimidatório para todos”, resume a deputada. com Leonete Botelho e Sofia Rodrigues

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