Eles vão navegar entre o fundo, a tona e a terra para contar histórias sobre o mar

São de gerações diferentes, têm histórias únicas e partilham laços inquebráveis com o mar. Neste sábado, Esposende vai contar a história de Quando o Mar É Mais. Mais dor, mais alegria, mais esperança... mais tudo. É o seu mar.

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Há o mar que separa e o que une. Há o mar que tira e o que trás de volta. A gente de Esposende é gente do mar, da pesca, navega em histórias de naufrágios e salvamentos e coloca-as agora em palco, para os que as quiserem ver e ouvir.

O cenário do Rio Cávado mistura-se com os pescadores, as peixeiras, os coros, as embarcações de pesca e as canoas. O palco é despido de qualquer superfície artificial. É o cimento, a terra que se pisa todos os dias, o ponto de partida e de chegada dos barcos.

Não foi preciso andar muito para se encontrar os actores. Debaixo dos holofotes vão estar crianças e adultos que partilham tradições e costumes ligados ao mar de Esposende, passados de geração em geração. Chega a parecer um dia normal na Marina Sul.

Foi numa conversa junto ao farol que Hugo Cruz e Susana Madeira, responsáveis pelo projecto, ouviram uma frase que não lhes saiu da cabeça: “Ai meninos, quando o mar é mais, vocês nem imaginam”. A expressão é utilizada para referir que o mar está bravo, mas traz consigo muito mais do que isso, porque para eles “quando o mar é mais, a vida também é mais”.

A peça Quando o Mar é mais estabelece um diálogo entre o passado, o presente e o futuro de Esposende, do seu povo e da sua ligação ao mar.

Um passado que se assemelha ao fundo do oceano: os naufrágios, a dor, a saudade e tudo aquilo que o mar dá, mas também retira. Na superfície respira-se. Encontra-se o presente, com um certo conforto e alegria, representados pela música, pelas romarias, pelas festas e pela praia. O futuro é a chegada à terra, a novas descobertas. É um porto de incertezas, de sonhos e de desejos da comunidade. “Falamos do querer estar sempre ligados ao mar e da experiência em levar-nos a novos portos e a novos horizontes”, explica Susana Madeira.

A peça é o resultado de nove meses de trabalho do projecto comunitário AMAReMAR, promovido pelo Município de Esposende, com o objectivo de utilizar as artes como fonte para promover a inclusão social e a participação activa da comunidade. São 120 participantes, com direito a música do Coro Ars Vocalis e a “Banda Estaleiro”.

Há uma “relação respeitosa e reverente da população com o mar”, com uma reflexão sobre a actividade da pesca, que é o ”ganha-pão” de várias famílias, muitas vezes limitada por regras e cotas nacionais e comunitárias que acabam por ser ultrapassadas por necessidade. E é aqui que se questiona a sobrevivência, a tensão entre o Homem e a natureza e a forma como ele a utiliza para satisfazer as suas necessidades. 

Numa primeira fase, ainda antes de a peça ganhar forma, foi necessário ouvir e conhecer as histórias dos participantes e dos locais. “Nós passamos muito tempo a passear com as pessoas da comunidade, às vezes a ir a casa delas, ao trabalho delas, a conversar e a ter tempo para essa conversa”, conta Hugo Cruz, director artístico.

E foi a partir dessa conversa que começou a perceber os traços comuns, as vivências dos membros do grupo ou de algum familiar que tenha vivido uma situação no mar. Hugo e Susana quiseram que o conteúdo fosse orgânico, vindo das próprias pessoas. O resto nasceu de forma natural.

A religião, um pilar muito forte numa comunidade marcada por momentos difíceis, também está presente nas situações de viagem. “Falamos do naufrágio, da partida, dos emigrantes, com a grande vaga de emigração que houve para o Brasil, dos militares que partiram para o Ultramar e também dos emigrantes de hoje. É uma partida constante”, explica Hugo.

“Somos gentes de mar”

 A identidade local, inerente ao mar, cruza-se com a componente artística. Os mais velhos revivem um passado nas águas e os mais novos aprendem com a experiência de saber como era a sua terra anteriormente.

Sameiro Nibra interpreta vários papéis no espectáculo. Há alturas em que estar na história lhe faz “sentir o cheiro da maresia” e as emoções da sua infância, passada em aventuras à beira rio. “Eu vivi no meio dos pescadores. Esposende antiga diz-me muito e lembra-me muito a minha família, principalmente os meus avós que eram pescadores. Somos gentes de mar”, conta com nostalgia, enquanto descreve as idas para ver os pescadores e os barcos, a lota com a venda do peixe e as corridas descalça à beira das embarcações. “Eramos outras crianças”, desabafa.

Não é a primeira vez que Sameiro participa no projecto, mas desta vez traz a filha, que decidiu embarcar na aventura com ela. “No fundo, ela está a viver o que eu vivi na minha infância, estou a conseguir transmitir-lhe o que eu vivi e, para mim, é o que torna tudo especial”, conta. Sair da rotina, entrar num mundo diferente depois de um dia de trabalho cansativo, é uma experiência que diz ser “diferente e única”.

Também Nazaré Mendanha está no mesmo espaço a ensaiar as falas que contam a sua história, onde o mar é sempre o protagonista. Tem 75 anos, vende peixe desde os 13, e conhece Esposende como a palma da sua mão. Entre o gosto pelo canto e dança, Nazaré viveu sempre do mar: “Vendia peixe, sardinha, faneca, sapateira. Tudo do nosso mar de Esposende”.

Um projecto que une a comunidade

A partilha de histórias pessoais e os ensaios durante várias horas aproximaram esta comunidade. O “bom dia” habitual foi substituído por conversas mais longas. Há diálogos improváveis e encontros inesperados.

“No final vão falar de outra forma quando se virem na rua, no bairro, no prédio. É impossível ficar igual depois de um projecto destes”, conta Susana Madeira. A opinião é partilhada pelo grupo: “Se não fosse este projecto, nós passávamos e nem conhecíamos as pessoas. E aqui tornamo-nos numa família”, diz Sameiro Nibra.

Para Raquel Vale, vereadora da Qualidade e Modernização Administrativa da Câmara Municipal de Esposende, o projecto nasceu da necessidade de criar algo “aberto a toda a comunidade, mas que acabasse por apanhar franjas da população que nem sempre têm a oportunidade de ter acesso a práticas artísticas, como o teatro e a música, por carência socioeconómica ou pela falta dessa cultura na família”.

Este é o segundo espectáculo do grupo de Teatro Comunitário de Esposende – Triumph’arte – e está agendado para este sábado, dia 3, pelas 22h na Marina Sul, em Esposende. Mas, a viagem pelo mar não termina por aqui. Dia 23 de Junho, Quando o mar é mais vai passar pelo evento MEXE – Encontro Internacional de Arte e Comunidade – no Teatro Carlos Alberto, no Porto.

Texto editado por Ana Fernandes

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