Maçonaria: transparência e opacidade

A maçonaria tem que sair da clandestinidade e ser o que é: uma sociedade de homens livres que não tem medo de se medir com o mundo.

A maçonaria universal faz este ano 300 anos, os 300 anos em que a história da humanidade mais mudou, incomensuravelmente mais que nos vários milhares de anos anteriores. Estes últimos 300 anos, desde 1717, foram os anos de quase todas as grandes revoluções políticas, sociais, tecnológicas e sociais: deram-se a revolução americana, a francesa, a eletricidade, a energia atómica, o controle da natalidade e da sexualidade, a declaração universal dos direitos do homem, a engenharia genética, a inteligência artificial, a neurobiologia, a democracia e a comunicação globais (ou a sua perspetiva). Na verdade, estamos nos alvores de uma humanidade nova, de um novo ser humano que não se imagina ainda o que possa vir a ser.

Que tem a maçonaria a ver com isto? Para além de ter estado presente no caldo das revoluções americana e francesa, da declaração universal dos direitos do homem e da democracia, a maçonaria preconiza que há um irredutível humano que, enquanto é humano, não pode ser invadido ou tocado. Esse irredutível humano é o segredo maçónico. Neste sentido, esse irredutível, secreto, simbólico e indizível humano, para ser o que é, recusa render-se à ambição de total transparência, controlo, manipulação e alienação, que é o caminho de toda a tecnologia e das suas possibilidades infinitas.

Não que a maçonaria seja tecnofóbica. Longe disso. Mas na medida em que aposta na lentidão, na distância, na obscuridade, no analógico, no corporal, no gestual e no ritual, a maçonaria é uma coisa antiga que resiste ao deslizamento infinito de toda a informação, criando-se como um espaço de infinita interpretação, infinito atrito e infinito significado. Simplificando: a maçonaria é uma coisa antiga que quer ser moderna quando o moderno dá humanidade ao homem, mas que se recusa à inevitabilidade de um pós-humano.

O que isto não quer dizer é que a maçonaria seja uma coisa distante do mundo, da sua realidade, dos seus problemas. A maçonaria não quer “salvar” apenas os maçons. Como Camus, a maçonaria pergunta-se de que valeria a salvação de um só se não pudessem salvar-se todos os seres humanos. Por isso é que a maçonaria tem que estar no mundo, ainda que com um pé dentro outro fora. Com um pé fora, fugindo à alienação da vulgaridade mediática, ao crime da geofinança e da opacidade negocista; mas com um pé dentro do mundo, cruzando os seus saberes com os saberes profanos, dados a tempos curtos, rápidos, vagos, lisos, finos, de modo a torná-los mais longos, mais lentos, mais densos, mais áridos, mais espessos, mais verdadeiros, ou se se quiser, mais autênticos, contra toda a inautencidade.

Por isso é que o segredo da irredutibilidade humana não pode confundir-se com clandestinidades orgânicas, sociedades de advogados negocistas, agitprops tabloides ou falsários de província ou, pior ainda, de capital. Por isso é que a maçonaria tem que sair da clandestinidade e ser o que é, que é aquilo que deve ser: uma sociedade de homens livres e de bons costumes, de palavra achada e respeitada, que não tem medo de se medir com o mundo, porque o estado do mundo será sempre a medida da sua glória ou desastre.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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