Resistência e desobediência: a resposta à saída dos EUA do Acordo do Clima

O Presidente dos EUA acordou para uma nova realidade depois de anunciar a sua decisão de retirar o país do pacto global contra as alterações climáticas. Agora é "todos contra Trump".

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Manifestantes concentraram-se `em frente à embaixada dos EUA em Berlim para protestar contra decisão de Trump Reuters/FABRIZIO BENSCH

Já tinha acontecido com anteriores decisões controversas, do decreto que proibia a entrada de refugiados sírios e cidadãos de sete países muçulmanos nos Estados Unidos à proposta para revogar o programa de saúde conhecido como Obamacare. Os aplausos e elogios que Donald Trump ouviu na Casa Branca ao anunciar a sua decisão de retirar o país do Acordo do Clima de Paris, contrastaram com os gritos de protesto que se seguiram – em Washington e várias outras cidades norte-americanas, e de todo o mundo.

Como antes, quando os tribunais ou os senadores puseram um travão nas pretensões e iniciativas do Presidente, Trump e os seus conselheiros e defensores não precisaram de esperar muito para perceber até que ponto a sua última manobra política corre o risco de sair gorada. A desobediência – e a resistência – está na rua.

Numa reacção interna que apenas promete continuar a crescer, dirigentes locais e estaduais, organizações não-governamentais e executivos e administradores de empresas, anunciaram que não vão acatar a decisão presidencial, e vão continuar a cumprir os compromissos – de redução até 28% das emissões de gases com efeito de estufa em dez anos, e também de contribuições financeiras até três mil milhões de dólares para o Fundo Verde do Clima – que foram assumidos pela anterior Administração Obama aquando da assinatura do Acordo de Paris, no fim de 2015.

Um novo movimento, a Aliança para o Clima dos Estados Unidos, foi já constituído para negociar com as Nações Unidas a sua adesão ao pacto de Paris na qualidade de “grupo independente”. Dele fazem parte os estados da Califórnia, Nova Iorque e Washington (que juntos respondem por um quinto do PIB e 11% das emissões de carbono do país); mais de 80 municípios, entre os quais o de Pittsburgh; 80 universidades e mais de uma centena de empresas. O magnata dos media e antigo mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, comprometeu-se a doar 14 milhões de dólares nos próximos dois anos, para apoiar os esforços da nova aliança.

Um vídeo gravado por Arnold Schwarzenegger, transformado em arqui-inimigo por Donald Trump, está a ser partilhado nas redes sociais: o actor e antigo governador da Califórnia lembra que 70% das emissões podem ser controladas pelas autoridades locais e estaduais, que “certamente vão saber responder ao desafio e preencher o vazio que o Presidente deixou”. “Um homem não pode destruir o nosso progresso. Não pode travar a revolução das energias limpas. Nem pode viajar para trás no tempo”, afirma.

Entretanto, o grupo de conselheiros para as questões económicas reunido por Donald Trump começou a encolher em retaliação pela decisão do Presidente. Depois de o fundador da construtora de automóveis eléctricos Tesla, Elon Musk, confirmar o seu abandono daquele fórum informal, também o chefe da Walt Disney, Bob Iger, renunciou ao cargo. “Discordo profundamente com a decisão de abandonar o Acordo do Clima de Paris”, explicou, acrescentando que para ele a protecção do planeta é uma “questão de princípio”.

O CEO do banco Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, estreou-se no Twitter com uma mensagem que dizia que a acção de Trump “é um revés para o ambiente e para a posição de liderança dos EUA no mundo”. Outros líderes empresariais, da General Electric, Ford, Dow Chemical, Microsoft, Google, Facebook, eBay, e das petrolíferas Exxon-Mobil, Conoco e BP, exprimiram o seu desagrado com a postura de Trump, e o seu apoio aos objectivos fixados pela comunidade internacional para travar o aquecimento global. “Esta foi uma decisão incrivelmente míope. Partilhamos todos o mesmo planeta, precisamos de trabalhar juntos para o salvar”, resumiu o CEO do Twitter, Jack Dorsey.

O isolamento e oposição ao Presidente também se sentem na arena política interna, onde a mobilização para as eleições intercalares de 2018, e para as presidenciais de 2020 – quando Trump pretende concorrer a um segundo mandato – vai passar pela denúncia da sua filosofia da América contra o mundo. O que o Presidente fez foi “transformar o ambiente na grande questão eleitoral de 2018 e 2020”, escreveu no Twitter o veterano analista político Stuart Rothenberg, acrescentando que a pressão da oposição e a resistência da opinião pública vão manter o assunto no topo da agenda política, desgastando a imagem de vitória que Trump tenta projectar. “E isso definitivamente desfavorece o Partido Republicano”, considerou.

Trump vs o resto do mundo

Ao contrário de outros líderes estrangeiros, da Europa à Índia, China e Japão, ou às pequenas ilhas do Pacífico ameaçadas pela subida do nível do mar, o Presidente da Rússia não parece muito preocupado com as implicações internacionais da retirada dos EUA do Acordo do Clima de Paris anunciada por Trump. “Don’t worry, be happy!”, comentou Vladimir Putin, lembrando que os EUA só ficarão de fora do acordo no final de 2020, pelo que “ainda há muito tempo” para concertar uma estratégia global de combate às alterações climáticas.

Num claro contraste ao coro internacional que criticou a decisão de Trump como “extremamente lamentável”, Putin disse compreender a posição do Presidente norte-americano. “Não sou eu que o vou julgar”, prosseguiu Putin, que tal como Trump não está a ouvir o que dizem os restantes líderes mundiais: que o tempo das negociações já passou e que o caminho iniciado em Paris é “irreversível”.

O violento discurso em tons nacionalistas com que Trump justificou o seu abandono do pacto de Paris – “Até quando a América ia continuar a ser menorizada? Até quando os líderes dos outros países iam continuar a rir-se de nós?” –, acabou por expor a fractura transatlântica que já se antevira nas reuniões dos aliados da NATO e dos parceiros do G7. A última “provocação” de Trump parece ter sido a gota de água, e a anterior reserva deu lugar à hostilidade e ao confronto aberto.

As últimas duas semanas representaram “o mais triste de uma era de 70 anos de liderança global americana”, lamentou o antigo secretário americano da Defesa, Leon Panetta, para quem as “políticas da 'América Primeiro' estão a ameaçar os interesses estratégicos” do país. Outros analistas estimam que o Presidente dos EUA comece a ouvir “não” sempre que precisar da ajuda dos seus aliados (por exemplo, para o reforço de tropas da NATO no Afeganistão). “A Pax Americana acabou. Bem vindos ao Ground Zero”, escreveu o director da consultora Eurasia, Ian Bremmer, que leu nesta decisão uma abdicação do estatuto de “nação indispensável” dos EUA.

 

 

 

 

 

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