Noites de Verão para agarrar duas preciosidades que nos escapam pelos dedos

A Filho Único volta a programar os finais de tarde estivais de Lisboa. Ogoya Nengo estreia entre nós o seu canto ancestral e o guitarrista Ricardo Rocha dá um raro concerto a solo.

Foto

Sete de Julho é uma data tão perfeita como qualquer outra para sair do trabalho e tomar o rumo do Jardim dos Coruchéus, em Alvalade. O boletim meteorológico não importa: estará quente. É a primeira das Noites de Verão que a Filho Único programa em Lisboa vai para a oitava edição, e começa logo com a voz extática de Ogoya Nengo, “a valorosa” queniana que nos vem mostrar o que é o Dodo – e o que vamos perder se este género tradicional das populações Luo vir concretizada a ameaça de extinção que lhe paira sobre a cabeça.

É uma estreia nacional. Ogoya Nengo (n. 1943) é herdeira de uma música tradição oral que povoa as margens do grande lago Vitória e lhes guarda as histórias. Canta desde que há 60 anos chefes tribais, guerreiros e oficiais coloniais lhe descobriram o talento e a voz poderosa, sulcada e mística que faria dela um nome essencial da folk local. A edição internacional de Rang’ala – New Recordings From Siaya County, Kenya libertou-a das fronteiras regionais e abriu-lhe espaço para On Mande. Apresenta-o na capital com o The Dodo Women’s Group.

Os Coruchéus também são uma novidade – e uma guinada para fora do centro que acolhe habitualmente as Noites de Verão. O Palácio de Pombal deixou de ser hipótese este ano e Alvalade foi o “desafio” lançado à organização. “É um aspecto positivo. Encaramos como um desafio. É descentralizado, uma paz de alma. E vive ali muita gente”, diz ao ípsilon André Ferreira, da Filho Único, convicto de que quem se vir obrigado a deslocar-se na cidade o fará com agrado, para “fugir ao sufoco turístico” e abraçar um programa “bastante consistente”.

Além de Ogoya Nengo, há Volúpia das Cinzas (14 de Julho), o regresso de Jamal Moss como Hieroglyphic Being (dia 21 – nesta semana o norte-americano também se apresenta ao serviço no Milhões de Festa, programando as afamadas festas de piscina do festival de Barcelos) e Vaiapraia e as Rainhas do Baile (28), aos quais acrescem os DJ sets, respectivamente, de Bruno Silva, Varela, Novo Major e Pega Monstro. Sempre às 19h30 e com entrada livre. Em Agosto, as Noites de Verão seguem para a casa de sempre, o Jardim das Esculturas do Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC) – à mesma hora e igualmente gratuitas.

Ricardo Rocha dá a 4 de Agosto um raro concerto a solo (embora se apresente na Lx Factory, em nome próprio, a 1 de Julho), dando início a esta segunda metade da programação com “um conjunto de prelúdios para guitarra portuguesa” inéditos em disco (Irradiante, de 2014, aguarda sucessor). A Filho Único intui um “novo abalo sísmico na literatura do instrumento” protagonizado por um compositor que, nascido em 1974, já foi distinguido duas vezes com o Prémio Carlos Paredes – Rocha é, como Paredes, um guitarrista inspirado e sem grilhões.

Uma semana mais tarde, a 11, outra estreia: Gigi Masin. O italiano é uma descoberta tardia, “revitalizada por uma nova leitura histórica”, nota André Ferreira. Pioneiro de turntablism lá nos longínquos anos 1970, o italiano deu amplitude à sua “singular música baleárica ambiental” em 1986 com Wind, um primeiro disco entretanto canonizado. Peça de culto que, com Les Nouvelles Musiques Du Chambre, serviu de inspiração a muitos músicos – de Bjork a Main Attrakionz. Calhau! actua no dia 18. Primeira Dama – “uma lufada de ar fresco, passe o chavão, face ao nosso panorama pop”, enquadra André Ferreira – dará o derradeiro concerto destas Noites de Verão, a 25, e da sua própria agenda para a promoção do seu segundo disco.

Sugerir correcção
Comentar