PSD ficou a falar sozinho sobre Uber e Cabify no Parlamento

Diploma acabou por ser aprovado com a abstenção do PS e do CDS. Nenhum partido usou todo o tempo que lhe estava destinado e o debate potestativo sobre as plataformas electrónicas durou metade do previsto.

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Rui Gaudencio

Acabou por ser uma ironia o desfecho do debate potestativo marcado pelo PSD, para esta tarde de quinta-feira, sobre a regulamentação das plataformas electrónicas de transportes, como a Uber e Cabify. O deputado Paulo Neves tinha defendido na tribuna que “chegou a hora de legislar” sobre o assunto, como contraponto ao facto de o Governo ter apresentado a sua proposta há cinco meses e a ter remetido para a discussão na especialidade, onde permanece sem andamento. Mas o PSD acabou praticamente a falar sozinho, já que, depois de duas rondas de perguntas, os outros partidos não quiseram fazer mais intervenções.

Apesar das críticas que receberam de todos os partidos durante o curto debate, os sociais-democratas acabaram por ver o seu diploma aprovado na generalidade, com a abstenção do PS e do CDS. O resto da esquerda votou contra o projecto de lei do PSD, enquanto o PAN votou a favor.

O PSD queixou-se do fim abrupto do debate que durou perto de uma hora e que deveria demorar pelo menos mais 47 minutos. O PS só usou quatro dos 25 minutos que tinha – e o Governo nem apareceu, ainda que neste tipo de debate não fosse obrigado a isso. Aos jornalistas, o social-democrata António Costa Silva disse que o Parlamento viveu esta tarde uma situação “inédita” em que “ninguém” quis discutir a proposta do PSD. “A Assembleia da República é um espaço óptimo de debate. Estamos perante uma situação grave e que não é saudável para a democracia”, afirmou o deputado, referindo-se directamente ao PS e aos partidos à sua esquerda que “não vieram a jogo”.

Mas até o PSD deixou quase quatro minutos dos 27 que tinha para intervir, o Bloco cinco (de 12), o CDS sete (de 11), o PCP seis (de dez), o PEV um (de cinco) e o PAN não usou o seu minuto.

A questão da regulamentação do transporte individual de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataformas electrónicas está em discussão no Parlamento há vários meses. Há duas propostas do Governo e do BE em comissão, que desceram sem votação a 17 de Março por 45 dias mas pouco trabalho se adiantou. Só na passada semana, já fora do prazo, a comissão pediu uma renovação do prazo, agora por 90 dias.

No debate, o deputado social-democrata Paulo Neves defendeu que todos os partidos já tiveram “tempo suficiente” para reunir todos os dados para a discussão, defendeu que as plataformas electrónicas “são bem-vindas” e que regulamentá-las não é ser “contra os táxis e os taxistas". “Pior é querer que não existam, impedindo que a modernidade e urbanidade cheguem ao nosso país em pleno século XXI”, afirmou, no que foi lido pelo PCP como uma crítica à sua proposta de há um ano que impedia a operação de plataformas como a Uber e a Cabify.

Paulo Neves disse que o PSD se focou em quatro questões – “quem presta o serviço automóvel, quem conduz a viatura, o consumidor e as plataformas”. Por isso, propõe que sejam as plataformas a pagar uma taxa que reverte para a regulação (5%); que estas só possam ficar com 25% do valor total do serviço, revertendo os restantes 75% para o motorista e para a viatura; que a variação de preço seja no máximo de 100% em relação à média dos últimos três dias; que o cliente possa optar por um percurso pré-definido com preço fixo; que os motoristas tenham obrigatoriamente formação.

O deputado vincou ainda que os táxis podem estar presentes nestas plataformas electrónicas e que passem a ser descaracterizados. “Há lugar para todos e sempre destacámos o papel ímpar dos taxistas na mobilidade”, acrescentou Paulo Neves.

Numa intervenção em tom inflamado, o deputado Bruno Dias acusou o PSD de querer “consagrar em lei a precariedade e a lei da selva a que se assiste no terreno”, de “confirmar uma situação de impunidade com a desregulação”. O comunista lembrou que a questão está a ser discutida num grupo de trabalho no Parlamento, que foi debatida em Março em plenário e por isso não faz sentido a acusação de que a esquerda “está a adiar” a questão. O PCP, frisou, “não quer contribuir para a legalização da concorrência desleal” e por isso apresentará propostas na discussão que está a ser feita na especialidade.

Bruno Dias criticou o PSD por falar dos motoristas mas não incluir na proposta questões específicas sobre as condições e vínculos laborais e salariais, e por não propor qualquer contingentação. O ecologista José Luís Ferreira seguiu as críticas comunistas.

E o bloquista Heitor de Sousa afirmou haver um “embuste na discussão”: o facto de o PSD considerar que uma “aplicação informática é um operador de transporte de passageiros. Não é.” São, disse, “empresas, patrões que se escondem atrás de uma aplicação informática – e as aplicações não são susceptíveis de serem responsabilizadas pela desregulamentação que trouxeram ao mercado”. Lembrou vários casos de proibição de operar em cidades europeias decididas por tribunais e defendeu que as plataformas devem ser consideradas empresas e não meras aplicações digitais.

Até o CDS atacou o PSD

Do socialista Ricardo Bexiga vieram dúvidas sobre o enquadramento jurídico das plataformas, das regras da concorrência, dos direitos laborais e também do papel das autarquias e autoridades regionais de transportes sobre a regulação deste mercado. Mas ficou sem resposta do deputado do PSD, que lhe recomendou que perguntasse ao Governo sobre como regulamenta tais questões na proposta que enviou ao Parlamento.

Até do CDS o PSD ouviu críticas duras. O deputado Hélder Amaral avisou que a proposta “tem muitas zonas cinzentas, muita coisa por esclarecer”, criticou o facto de o documento não dizer nada sobre o sector do táxi e afirmou “não ser normal que se peça tudo” a este sector, incluindo “licenciamentos leoninos”, ao passo que ao transporte a partir de plataformas como a Uber e a Cabify “não se pede quase nada”.

Por uma questão de táctica política, apesar das críticas, PS e CDS acabaram por dar uma mão aos sociais-democratas.

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