Genro de Trump usou fundo destinado a zonas pobres para construir torre de luxo

Jared Kushner aproveitou um "buraco" na lei para conseguir poupar milhões de dólares no negócio imobiliário. E registos recentes indicam que o pretende voltar a fazer.

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Jared Kushner integra a equipa do sogro na Casa Branca LUSA/Olivier Douliery/POOL

Jared Kushner, genro do Presidente dos EUA e um dos elementos da sua equipa na Casa Branca, aproveitou-se de um chamado “buraco” na lei para usufruir de fundos estatais destinados a recuperar economicamente áreas com elevados níveis de desemprego para construir um empreendimento de luxo. A história é contada esta quinta-feira no The Washington Post. De acordo com os dados recolhidos pelo jornal norte-americano, Kushner conseguiu ainda poupar milhões de dólares através de um programa federal, o EB-5, em 2015. O projecto de construção de uma torre residencial de 50 pisos no estado de Nova Jérsia, do outro lado de Manhattan, exigiu aos consultores da empresa Kushner Companies alguma “criatividade”, escreve o The Washington Post.

Os registos mostram que Jared Kushner escolheu cirurgicamente a zona de construção do empreendimento, mas não aplicou os fundos estatais na criação de emprego para a população daquela área. A equipa de Kushner trabalhou num mapa que incluía alguns dos bairros mais pobres da região, dominados pelo crime, e excluía alguns dos bairros mais ricos, apenas a alguns quarteirões de distância. O método foi comparado à estratégia de “gerrymandering”, uma expressão norte-americana utilizada para descrever o método de definição dos círculos eleitorais de um território para obter vantagens no número de representantes políticos.

A administração Obama propôs limitar as zonas elegíveis para candidatura — como os projectos submetidos a avaliação incluem zonas vizinhas à área de construção, os seus promotores podem desenhar os seus mapas de forma a incluir zonas pobres que não serão necessariamente beneficiadas, uma proposta de alteração que deverá ser aprovada ou chumbada nos próximos meses pela actual administração. Com estas novas regras, o projecto 65 Bay Street não teria sido financiado.

Como funciona?

O programa de vistos norte-americano EB-5 atribuiu 50 milhões de dólares à empresa de Kushner e aos seus parceiros para a criação das residências de luxo 65 Bay Street, um investimento que passou despercebido aos habitantes do bairro.

“É muito triste. Infelizmente, as pessoas que beneficiam não são as desta zona”, aponta o pastor Shyrone Richardson, em declarações ao jornal norte-americano. A igreja que lidera está localizada a cinco quarteirões de um bairro onde uma em cada cinco pessoas está desempregada e onde, em 2015, ocorreram três tiroteios fatais. Por outro lado, a zona imediatamente adjacente ao edifício apresenta uma taxa de desemprego baixa, à volta dos 2,6%. O jornal cita ainda exemplos de habitantes da zona que enfrentam dificuldades em arranjar emprego, mesmo na área de construção civil, área essencial à concretização do projecto imobiliário.

O programa EB-5 assemelha-se também aos vistos gold portugueses, uma vez que atribui um visto de residência a estrangeiros que invistam meio milhão de dólares num projecto dedicado a combater o desemprego numa determinada região, com níveis de desemprego 1,5 pontos percentuais superiores à média nacional. O fundo foi criado há 27 anos, em 1990, para atrair investimento estrangeiro para zonas pobres e rurais, com dificuldades em atrair investimento e financiamento pela via tradicional. Além disso, este programa federal permitiu ainda uma substancial poupança de “milhões de dólares” em taxas de juro.

Os apartamentos residenciais 65 Bay Street, publicitados como Trump Bay Street, estão a ser arrendados mensalmente por mais de 4700 dólares (cerca de 4000 euros), beneficiando da procura de que esta zona fora do centro de Nova Iorque é alvo, desde o ataque de 11 de Setembro às Torres Gémeas.

Mais financiamento público?

Já este ano, duas semanas antes de Trump assumir posse como Presidente dos EUA, um funcionário da empresa de Kushner contactou funcionários do estado de Nova Jérsia para sugerir alterar o mapa de um novo projecto imobiliário — e assim acrescentar-lhe cinco bairros que triplicam a taxa de desemprego da área visada na candidatura. Foi aprovado quatro dias depois, reporta o jornal norte-americano.

Quer o porta-voz de Jared Kushner, quer o porta-voz da sua empresa recusaram comentar a polémica associada à aplicação dos fundos estatais. No entanto, o tema voltou recentemente a discussão.

Actualmente, o genro do Presidente dos EUA vê o seu nome envolvido no escândalo das alegadas ligações ao Governo russo durante a campanha eleitoral.

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