Fuga de portugueses da Venezuela faz subir apoios sociais prestados pela Madeira

Desde o início do ano, perto de mil emigrantes na Venezuela inscreveram-se no centro de emprego da Madeira. Autoridades regionais falam de um aumento de pedidos de auxílio para habitação social, RSI, alimentação e medicamentos. Despesas de saúde já aumentaram meio milhão de euros.

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A situação continua muito tensa e perigosa na Venezuela e não há fim à vista para o impasse em que o país vive MIGUEL GUTIERREZ/EPA

Atrás das portas fechados dos gabinetes onde, desde o início de Abril, têm decorrido reuniões entre os vários departamentos do governo madeirense sobre a situação na Venezuela, os emigrantes que têm regressado daquele país sul-americano são vistos como refugiados.

Embora o discurso oficial sublinhe sempre que é de madeirenses que se trata, o desespero com que chegam ao arquipélago, a incerteza quanto ao que deixaram para trás e as dúvidas com o futuro, tornam estes emigrantes isso mesmo: refugiados.

Os que têm chegado, pouco mais trazem do que uma ou duas malas. Pouco. Muito pouco para quem, em muitos casos, trabalhou uma vida num país que foi uma terra de oportunidades, e agora está mergulhado num caos económico, político e social.

E são muitos, os que têm partido. À Madeira, chegam de avião, via Madrid ou outra capital europeia. E mesmo por mar, como aconteceu na semana passada, quando mais de duas centenas de emigrantes madeirenses na Venezuela desembarcaram no Funchal, depois de uma viagem, a bordo do paquete Monarch, que começou no Panamá.

É difícil, admitem as autoridades regionais, quantificar com exactidão o número destes regressos, porque a maioria tem nacionalidade portuguesa e não é por isso sujeita a qualquer controlo de entrada. Mas junto dos serviços sociais regionais já é possível medir o impacto da crise venezuelana na Madeira.

Desde o início do ano, a uma média de 180 por mês, quase mil ex-emigrantes na Venezuela inscreveram-se no Instituto de Emprego da Madeira (IEM). Um número relevante, tendo em conta a realidade do arquipélago, onde os números oficiais apontam para cerca de 19 mil desempregados, no final de Abril.

“Temos assistido a um aumento no número de inscritos no Instituto de Emprego de pessoas que estavam na Venezuela. Neste momento, são cerca de mil”, contabilizou ao PÚBLICO, a secretária regional da Inclusão e Assuntos Sociais, Rubina Leal, explicando que os apoios solicitados não se esgotam no IEM.

Os serviços a cargo de Rubina Leal receberam também pedidos para habitação social para uma centena de pessoas, e estão a apoiar através de vários programas como o Rendimento de Inserção Social, Emergência Alimentar e Apoio para Medicação mais 279 ex-emigrantes. “No conjunto, estes programas envolvem 279 pessoas, e rondam cerca de 100 mil euros mensais”, precisou a secretária regional, dizendo que o gabinete de apoio ao emigrante, criado há dois anos no Centro de Segurança Social da Madeira, foi reforçado.

Estes regressos forçados explicam, também, o aumento da despesa do governo madeirense com as comparticipações de medicamentos. Desde Janeiro, o Funchal já gastou mais meio milhão de euros, não só com os emigrantes que vieram para ficar, como para aqueles que se abastecem nas farmácias regionais para depois enviarem para os familiares que permanecem na Venezuela, onde falta tudo, mesmo uma simples aspirina.

Outro indicador, este mais preciso, está no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que registou desde que as manifestações pró e contra Nicolás Maduro se intensificaram, mais de duas centenas de pedidos de autorização de residência de cidadãos venezuelanos.

Na Venezuela, segundo estimativas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, vivem perto de meio milhão de portugueses e luso-descendentes. Destes, cerca de 300 mil são originários da Madeira. Uma região que conta com 250 mil habitantes.

No final da semana passada, Sérgio Marques, secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, que tutela as comunidades madeirenses, pôs o dedo na ferida. A Madeira, disse à margem de um encontro com emigrantes recém-chegados ao Funchal, não tem capacidade para receber todos os que quiserem voltar. “Mas não vamos fechar as portas a ninguém”, frisou, apontando problemas ao nível da habitação, do emprego e de equivalências formativas.

Ao PÚBLICO, fonte do gabinete de Sérgio Marques admite que existe um “número crescente” de emigrantes que querem regressar, mas ressalva que o “sentimento generalizado” da comunidade é o de esperar para ver. 

Mesmo assim, e tendo em conta a instabilidade vivida em Caracas, a administração regional está a preparar-se para um “agravamento das migrações” da Venezuela. A par do Plano Nacional de Regresso, de âmbito nacional, o executivo madeirense vai criar – a resolução que o aprova vai esta quinta-feira a Conselho de Governo – um Gabinete de Apoio ao Emigrante da Venezuela.

A estrutura, que tem por missão dedicar-se em exclusivo aos madeirenses que regressam daquele país sul-americano, é interdisciplinar, reunindo técnicos de vários departamentos do governo e serviços autónomos.

“Será um gabinete destinado a prestar respostas rápidas, nomeadamente para os casos de maior urgência, tendo a ambivalência de estrutura de missão e de comissão de acompanhamento ao processo de regresso, na sua maioria temporário, deste cidadãos de origem portuguesa”, explicou a mesma fonte, elencado a Educação, as Finanças, o IDE, Segurança Social, Centro de Comunidades Madeirenses, SEF e Universidade da Madeira como entidades que irão fazer parte desta espécie de gabinete de crise.

O próprio Sérgio Marques está na Venezuela, acompanhando a visita de três dias do secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, aquele país. À chegada, esta terça-feira de manhã, o secretário de Estado reconheceu que existem muitos portugueses que querem abandonar o país, embora nem todos tenham Portugal por destino, mas lembrou também que muitos sentem a Venezuela como sua. ”Aquele é o seu país e é por isso que estão dispostos a baterem-se pela Venezuela, tal como fizeram nas sucessivas crises que o país atravessou nas décadas de 1980 ou 1990”, disse, à Lusa, o secretário de Estado.

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