Portugal e Espanha assinam coesão ferroviária, mas não conseguem acordo para gás

Costa e Rajoy comprometeram-se em ter ligações completas entre Porto e Vigo até 2018/19 e entre Sines e Caia e Aveiro e Vilar Formoso até 2021.

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LUSA/ESTELA SILVA

O primeiro-ministro António Costa definiu esta manhã a cooperação ibérica em matéria de energia como "a primeira prioridade" para Portugal e Espanha neste momento, mas ainda não foi nesta 29.ª cimeira luso-espanhola que se assinou um acordo.

O acordo só deverá ser assinado depois do Verão, apesar das muitas horas que os secretários de Estado da Energia, Jorge Seguro e Daniel Navia, passaram a negociar nestes dois dias de cimeira em Vila Real. O PÚBLICO sabe que Lisboa estava pronta para fechar uma declaração formal, mas Madrid pediu mais tempo para trabalhar questões técnicas, relativas sobretudo à governação do Mibgas (mercado ibérico de gás natural, com 7,3 milhões de consumidores, dos quais apenas 900 mil são portugueses) e à taxa de passagem do gás pelos dois países (pancaking).

O Governo português acredita que se chegará a acordo antes da próxima cimeira ibérica. Há questões difíceis, a começar pela diferença de preço que Portugal paga, mais alto do que em Espanha. Espanha tem um mercado de gás natural com 40 anos e um universo enorme de consumidores, ao contrário de Portugal, cujo mercado só abriu há 20 anos e onde só há gás natural nas capitais de distrito a Norte do Tejo.

Há, para além disso, a histórica barreira dos Pirenéus, que há anos a França mantém fechado "como o gargalo de uma garrafa", nas palavras de Juan Lazcano, presidente da Comissão de Infra-estruturas e Urbanismo da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais.

Além do gás, esta fronteira natural impede que Portugal e Espanha exportem electricidade para a Europa, em particular para o Leste e o Norte europeu, muito dependentes da Rússia. "Espanha tem capacidade de produzir o dobro da electricidade que consome, mas não conseguimos passar os Pirenéus", disse Lazcano ao PÚBLICO, após os trabalhos de dois dias entre empresários dos dois países, paralelos à cimeira política. Há dez anos, foi feito um acordo europeu definindo que a França deixaria passar um mínimo de 10% de energia eléctrica, "mas nada aconteceu", diz o empresário. "E estamos a falar de quantidades mínimas: passar de 1400Mw para 2800Mw. O último concurso feito pelo Estado espanhol para fornecimento interno de electricidade foi de 3000Mw, o que mostra bem como estamos a falar de quantidades mesmo pequenas", diz. As obras de interconexão que permitiriam o transporte da electricidade, no entanto, "ainda nem começaram".

Trata-se, dizem vários especialistas, políticos e diplomatas dos dois países, de garantir um fornecimento seguro a toda a Europa. Seria uma "alternativa muito relevante", diz Luís Tão, presidente da associação empresarial de Vila Real. "Porque os fornecedores do Norte da Europa são muito instáveis. Basta pensar na Rússia. Mas estrategicamente, França não tem interesse porque também é exportador." A França "sabe isto muito bem", afirma Lazcano, pois há anos que há referências nos documentos da União Europeia sobre a necessidade de se abrir os Pirenéus e "eliminar este gargalo".

A barreira política é de certa forma simples: como convencer a Europa a pagar por um investimento que no futuro serviria todos, mas no imediato apenas Portugal e Espanha?

Para António Saraiva, presidente da CIP, "completar o mercado único da energia" é "uma urgência". Mas que implica cinco desafios concretos, como foi acordado no documento que os empresários entregaram aos dois governos: preços da energia competitivos; maior transparência na operação dos sistemas energéticos ibéricos para que os operadores tenham igualdade de oportunidades; continuar a integração dos dois sistemas eléctricos e "dar um novo e decisivo impulso" na consolidação do Mibgas; harmonizar os sistemas regulatórios, e insistir na "necessidade urgente de dispor de uma capacidade de interconexão suficiente entre a Península Ibérica e o resto da Europa".

Do trabalho feito nesta 29.ª cimeira ibérica - cujo tema único foi a cooperação transfronteiriça e que envolveu quase meio Governo de cada um dos lados -, foi possível chegar a acordo em relação a oito documentos, assinados esta manhã no pátio de entrada da Casa de Mateus, em Vila Real. Entre os quais o do reforço das ligações ferroviárias, identificadas pelo primeiro-ministro português como a "segunda grande prioridade" da cooperação transfronteiriça.

A declaração de intenções sobre infra-estruturas de transportes transfronteiriços, que há anos se arrasta nas cimeiras ibéricas, estabelece como prioridade o investimento em três ligações ferroviárias: Sines-Caia (Elvas); Aveiro-Vilar Formoso-Fuentes de Oñoro-Salamanca-Medina del Campo; e Irún-Porto-Vigo. A declaração foi assinada pelos ministros das Infra-estruturas Pedro Marques e Iñigo de la Serna.

Costa e Mariano Rajoy comprometeram-se, na conferência de imprensa final, em ter as ligações completas entre Porto e Vigo até 2018/19 e entre Sines e Caia, e Aveiro e Vilar Formoso, até 2021.

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