Só um caminho na gestão da dívida

O esforço terá de ser prolongado e consistente, assegurando que Portugal seja visto como um relapso ocasional e não como um relapso recorrente. Os bons ventos de hoje não existirão para sempre e, parafraseando o primeiro-ministro, Portugal não pode voltar a falhar.

O recente documento elaborado por vários apoiantes do Governo sobre a “sustentabilidade das dívidas externa e pública” não surpreende na medida em que corresponde ao habitual pragmatismo dos proponentes de soluções extremas quando passam a representar o poder.  Dos discursos inflamados sobre a necessidade de dar lições aos especuladores ou sobre imposição (?) de haircuts aos credores privados passou-se a uma proposta bem mais contida onde a reestruturação, muito mais suave e não unilateral, se faz junto dos credores que já estiveram disponíveis para reestruturar a dívida no tempo do ministro Vítor Gaspar: os nossos parceiros europeus. É, ainda que expectável nas actuais circunstâncias, um progresso importante no sentido da razoabilidade e da possibilidade.

A questão de fundo, que preocupou os autores da proposta e que é, na verdade, uma questão essencial, é a do alívio do peso que a enorme dívida pública que acumulámos terá sobre o futuro das contas públicas e a economia em geral. Nesse sentido, a discussão tem-se centrado em aspectos laterais, ainda que, mais uma vez, pragmáticos, de alívio da pressão do serviço da dívida no curto prazo. É aqui que a discussão se tem centrado, mas este é, na minha perspectiva, um ângulo subsidiário do problema mais vasto e estrutural, que é o da sustentabilidade a prazo das contas públicas. Em última análise, é a percepção dos credores não oficiais sobre este tema que determinará a evolução das yields que exigirão para investir na dívida pública portuguesa e, consequentemente, o correspondente peso em cada orçamento de Estado. Note-se, porém, que cada sinal é importante: se se usar uma hipotética reestruturação para um alívio não sustentado no curto prazo que acomode mais despesa, estar-se-á, inevitavelmente a afectar o custo futuro da dívida para a República agravando o problema estrutural em vez de o aliviar ou resolver.

Será, neste contexto, finalmente consensual, que todo o esforço deverá ser colocado na redução dos juros que o mercado exige para investir na dívida pública nacional. Os últimos desenvolvimentos parecem favoráveis: bons dados quanto à dinâmica do produto e sinais positivos  da Comissão Europeia quanto ao caminho das finanças públicas. Porém, muito mais importante, nos próximos tempos, será convencer as agências de rating - cujas notações são essenciais para a percepção de risco por parte dos investidores institucionais e, consequentemente, para o rendimento esperado que exigem - de que o risco inerente à detenção de títulos de dívida portuguesa diminuiu de forma “permanente”, melhorando a respectiva notação de risco.

Até agora tal não aconteceu e, pior ainda, os investidores internacionais têm vindo a diminuir o seu stock dívida pública portuguesa. Neste contexto, é crucial voltar a atrair um maior interesse dos investidores internacionais criando a percepção de potencial valorização (correspondendo a menores juros pagos pelo devedor). Este resultado implica que se generalize no mercado a expectativa de que a dívida pública Portuguesa apresenta uma dinâmica positiva. Quanto mais rapidamente se alcançar este consenso na comunidade de investidores, melhor, pelo que será altamente contraproducente que se tomem medidas que aqueles percepcionem como mera criação de condições para gastar mais hoje em detrimento da redução da dívida líquida hoje e no futuro.

Convém, finalmente, referir que uma melhor notação, estando em causa a passagem de notação especulativa para notação de investimento, aumentará por si só a procura pelos títulos portugueses, na medida em que alarga o universo de potenciais investidores. É por isso que todos os sinais que se derem daqui para a frente são tão importantes. A continuada redução do programa de compra de títulos portugueses pelo BCE e a perspectiva de uma melhoria de notação - que implica um caminho que supere, para melhor, as actuais expectativas das agências de rating, convém não esquecer - têm de condicionar também as opções que Portugal tome no curto prazo se queremos reduzir o peso dos juros: os investidores não são burros e percebem quando o fito é gastar mais mesmo que se diga o contrário e só nos concederão um alívio (por redução da rendibilidade exigida) se se convencerem de que estamos mesmo num caminho de sustentabilidade e progressiva redução do peso da dívida. Uma economia como a nossa, não beneficiará de nenhum alívio sustentado nos juros se não for claro que o peso da dívida no PIB vai, efectivamente, reduzir-se a cada ano. Aqui o esforço terá de ser prolongado e consistente, assegurando que Portugal seja visto como um relapso ocasional e não como um relapso recorrente, por via da criação continuada dos superavits primários adequados à redução permanente do peso da dívida. Os bons ventos de hoje não existirão para sempre e, parafraseando o primeiro-ministro, Portugal não pode voltar a falhar. 

 

Vogal do Conselho Directivo do Forum para a Competitividade

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