Abordagens atenuadas, sanguíneas e altruístas

Apesar dos muitos esforços dos cientistas, ainda não existe nenhuma vacina para a malária que garanta 100% de protecção

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Os mosquitos Anopheles (as fêmeas) infectam os humanos com o parasita

Uma das áreas que melhor pode comprovar a teimosia (ou persistência) dos cientistas é a da investigação que procura uma vacina para a malária. Para já, ainda não existe nenhuma solução que garanta 100% de protecção. Mas não é por falta de tentativas. Uma das estratégias mais populares passa pelo recurso a parasitas atenuados, ou seja, estimular uma resposta imunitária com o parasita que causa a infecção mas numa versão mais fraca que não causa a doença.

Um dos projectos que teve mais sucesso foi a vacina RTS,S/AS01, mais conhecida como Mosquirix, da empresa farmacêutica GlaxoSmithKline, que é especificamente destinada às crianças. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), esta vacina garante uma protecção entre os 30 e 50% e deverá começar a ser usada em campanhas de imunização que vão decorrer em 2018 no Quénia, Gana e no Malawi. O objectivo é vacinar pelo menos 360 mil crianças, entre 2018 e 2020. É a primeira e única aprovada até agora e, segundo a OMS, é mais uma ferramenta para juntar (e não substituir) às outras medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento adoptadas nos vários países afectados.

Recentemente, também foi notícia o resultado de um ensaio clínico de uma nova vacina contra a malária que revelou uma eficácia de 100% num grupo de nove pessoas. A experiência, que recorreu a parasitas vivos atenuados da malária, envolveu 35 voluntários saudáveis. No esquema de vacinação com três doses e quatro semanas de intervalo, os que receberam as doses mais baixas mostraram uma protecção que variou entre os 33% e os 67%. Porém, no grupo de nove participantes que recebeu as doses mais elevadas com os mesmos 28 dias de intervalo ninguém foi infectado pelo parasita. Esta vacina estará actualmente a ser testada em vários países.

“As vacinas que têm sido mais eficazes até agora são aquelas que actuam durante a fase inicial em que o parasita infecta o fígado do hospedeiro mamífero. São as vacinas hepáticas”, explica Miguel Prudêncio, investigador do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa que lidera a equipa que desenvolveu a vacina em Portugal. Também ele escolheu esse primeiro momento do ciclo de vida do parasita Plasmodium falciparum nos humanos.

Até agora, na maioria dos casos destas vacinas experimentais é administrado um fragmento do parasita para ensinar o sistema imunitário a responder ou os investigadores usam o organismo inteiro (o parasita) numa forma atenuada. A vacina desenvolvida pelos investigadores portugueses, chamada Pb(PfCS@UIS4), usa um parasita que é “naturalmente atenuado” porque é “feita” com um parasita de roedores vestido com uma peça importante do parasita que afecta os humanos. “É uma peça, um casaco, que não o torna mais infeccioso. Esta versão é 100% segura e as outras que se baseiam num parasita atenuado podem acarretar mais riscos”, diz o investigador.

Mas há mais abordagens e diferentes estratégias de ataque a este parasita nos laboratórios deste mundo. Há ainda equipas que trabalham em vacinas “sanguíneas”, que actuam na fase em que o parasita chega ao sangue, e outras que se dedicam às chamadas “vacinas altruístas” que funcionam como bloqueio à transmissão, não sendo capazes de proteger quem é vacinado mas que tentam impedir que o parasita seja transmitido a outro hospedeiro.

Tudo faz parte do mesmo esforço à escala mundial para combater esta doença que, em 2015, segundo a Organização Mundial de Saúde, infectou 214 milhões de pessoas e matou 438 mil. 

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