Sobrecarga e exigência emocional dos doentes põem em causa saúde dos fisioterapeutas

Estudo sobre as consequências psicossociais de se ser fisioterapeuta em Portugal vai ser apresentado nesta terça-feira, na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra.

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Para o fisioterapeuta, a relação com os doentes, que transporta um conjunto de constrangimentos, é uma das razões para continuar na profissão RUI GAUDÊNCIO

A falta de autonomia na gestão do tempo, a sobrecarga e a exigência emocional dos doentes são algumas das questões que estão a pôr em causa a saúde dos fisioterapeutas. As conclusões são de um estudo de Lúcia Simões Costa, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (Estesc).

A investigadora, que já foi fisioterapeuta, explicou ao PÚBLICO que os profissionais da área de saúde “têm uma maior tendência a ter este tipo de questões psicossociais, por se relacionarem com o paciente”. Só que, no caso dos fisioterapeutas, a problemática é agravada pelo facto de a “relação com o paciente” não ser “pontual, como é com os médicos”, mas tratar-se de “uma relação prolongada”.

Este contacto prolongado acaba por originar “muitas exigências da parte emocional”, visto que os profissionais acabam por lidar com “doentes, em muitas circunstâncias com patologias graves, como é o caso da recuperação do andar, por exemplo”, admite Luísa Costa.

A essa realidade, acresce a falta de autonomia, revela: “Aquilo que se percebe que os fisioterapeutas sentem no seu dia-a-dia, é terem pouco tempo para dedicar aos doentes e a falta de gestão desse tempo. Eles não têm autonomia para decidir quanto tempo é que o doente está em tratamento, quantos doentes vão ter por dia, quando é que o doente tem alta. A gestão de tempo é-lhes imposta. É esse um dos problemas que contribui para perturbações a nível psicossocial. Há frustração em não poder decidir.”

Com mais autonomia, “o trabalho podia ser melhor”

O estudo, que resultou de questionários a 249 fisioterapeutas, de todo o país, e de entrevistas e observação no local de trabalho a 16 dos profissionais, que trabalham em clínicas privadas e nos hospitais públicos, traz à tona um sentimento comum na profissão: “O trabalho podia ser melhor.”

Mas não é por falta de esforço em contornar a situação, conta a investigadora: “Obviamente que os fisioterapeutas tentam equilibrar a situação [da falta de autonomia]. Por exemplo, dizem ‘hoje trato menos um bocadinho um doente para tratar outro e amanhã inverto a situação’. Ou seja, eles têm estratégias para isto. Mas não é suficiente.”

Para melhorar as condições de trabalho e, possivelmente, os resultados do mesmo, é preciso dar mais autonomia na gestão do tempo no tratamento dos doentes. E isso, adianta Luísa Costa, depende “das administrações, das estruturas associativas da própria profissão, das ordens e até do próprio ministério”.

Mas nem tudo é mau. A investigadora explica que as questões psicossociais não são só de risco, são um recurso: “Os fisioterapeutas aproveitam o relacionamento com o doente, quando eles recuperam, por exemplo, para se sentirem mais equilibrados. Eles próprios encontram estratégias para se defender.”

Esta é a primeira vez que uma investigação se debruça sobre os riscos psicossociais da profissão, em vez de focar as dificuldades físicas, como o grande esforço e os problemas de postura. Os resultados desta investigação vão ser lançados no livro Cuidar do trabalho de quem trabalha para cuidar: O menos visível do trabalho e a sua repercussão na saúde dos fisioterapeutas, apresentado nesta terça-feira, às 16h, na Estesc.

Texto editado por Pedro Sales Dias

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