Há nova vida na Praça dos Poveiros, o quarteirão “bairrista” que não pára de crescer

Nos últimos anos foram muitos os espaços que abriram em torno da praça. Brevemente outros vão abrir num quarteirão que é cada vez mais procurado. Essa afluência tornou aquela zona, considerada em tempos um foco de “delinquência”, numa área mais segura.

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É final de tarde de um dia da semana. Na Praça dos Poveiros, no Porto, as esplanadas estão cheias de gente que depois de um dia de trabalho ou de aulas aproveita as últimas horas de sol antes do regresso a casa. São cerca de uma dezena de estabelecimentos que se prolongam para a rua. Há animação e burburinho de fundo. Em torno da mesma praça juntam-se estilos diferentes. Há quem aprecie o fato e gravata ou um estilo mais clássico, também há rastas e moicanas e acima de tudo há vida. Uma nova vida numa zona da cidade que há poucos anos atraía pouco mais do que manifestantes em dias de protesto, alguma delinquência ou moradores da zona que frequentavam os espaços de restauração mais antigos das imediações.

É um prolongamento natural da Baixa, actualmente “sem mais margem para crescer”, dizem alguns comerciantes. Aquela zona  tem outra identidade, dizem outros. Há um espírito de maior proximidade, mais bairrista onde se convive facilmente mesmo sem que uns conheçam outros. Cada um terá o seu ponto de vista. Certo é, algo está a mudar nos Poveiros: mais gente, mais espaços de restauração e mais estabelecimentos com abertura programada para breve.

Há um portão na entrada da praça, logo ali ao cimo da rua de Passos Manuel. Quem o diz é Carla Salgado Pereira, proprietária da mercearia e casa de petiscos Jeremias, no 33 do Passeio de São Lázaro. É um portão invisível, mas está lá a marcar a fronteira entre aquela zona e a parte mais baixa da cidade, garante. O que separa essa fronteira? Naquele eixo, entre os Poveiros e o Jardim de São Lázaro, vive-se outra dinâmica, mais próxima da que se vive num bairro. Foi esse o factor de atracção para abrir o espaço de venda de produtos tradicionais de Trás-os-Montes com o marido, ainda não faz um ano: “Morava em Bessa Leite mas sempre quis viver no centro do Porto. Aqui estamos no centro, mas não é bem centro. É um ambiente mais bairro”.

Quando se mudou para perto daquela zona passava frequentemente pelos Poveiros e frente ao jardim de São Lázaro. Há muito tempo tinha em mente abrir um negócio. Nascida em Vila Real, estudou Informática de Gestão no Minho e trabalhou 11 anos em Lisboa, altura em que começa a ponderar mais a sério pôr em prática o sonho que tinha. Há seis anos mudou-se para o Porto e em Novembro do ano passado abriu a mercearia no sítio que já andava a sondar há algum tempo. “Apaixonei-me por esta zona. Tinha que ser aqui”, diz. Há poucos anos, conta, pouco se passava por ali. “Acho que tive visão. Este é um quarteirão com potencial, que cresceu e ainda vai crescer mais”, acredita. 

Na rua onde está diz não existir concorrência. Há uma convivência saudável entre todos os comerciantes tanto dos espaços mais antigos como dos mais recentes, como é o caso do bar Duas de Letra, do restaurante Dona Gertrudes ou da loja de roupa vintage Cet Objet du Désir. “Quando alguma coisa falta vou às casas ao lado e vice-versa”, conta. Uns acabam por ser também clientes dos outros. Apesar de haver turistas que já descobriram aquela zona da cidade, ainda são os locais que mais a frequentam. Quer chegar ao maior número de pessoas possível, mas para que o negócio seja sustentável é aos clientes nativos que em primeiro plano tem que agradar.

A Cet Objet du Désir está umas 2 portas ao lado. Mudou-se em Abril, da Avenida Rodrigues de Freitas, onde esteve ano e meio, para o passeio de São Lázaro entre os Poveiros e o jardim. Hugo Afonso e Cláudia Lopes quiseram apostar numa loja maior. Apesar de ser uma zona com mais propostas na área da restauração, entendem que este conceito se enquadra na envolvente, até porque os clientes que frequentam os bares, principalmente da rua onde estão, dizem ser mais “alternativos”.  O factor localização e o potencial associado foi o que mais pesou na decisão.

À frente da Casa Lemos, a chegar ao largo da Ramadinha, está José Lemos há 42 anos no restaurante que o pai abriu há cerca de 70 para servir o que ainda hoje serve: "comida à portuguesa”. Vê com bons olhos a “nova vida” que chegou nos últimos anos ao quarteirão dos Poveiros. Uma zona que durante “décadas” esteve ao abandono e entregue “à delinquência”. Hoje há gente que vem de todos os lados e por isso já “há também mais segurança”.

Uma homenagem aos pescadores

Há duas centenas de anos, a praça dos Poveiros tinha outra designação. Era o largo de Santo André, por existir ali uma ermida em homenagem aos mártires Santo André e Santo Estêvão. Na viragem para o século XX, após uma série de alterações urbanísticas em toda a área envolvente, a autarquia altera o nome para a designação actual. Fê-lo em homenagem a um grupo de pescadores da Póvoa de Varzim, residentes no Brasil, que não acataram uma lei brasileira que os obrigava a mudar de nacionalidade e por isso revoltaram-se.

Curiosamente, em torno da praça a maioria dos espaços de restauração são conhecidos pelos pratos de carne. Há a Casa Guedes, conhecida pelas sandes de pernil, aberta há trinta anos, o Buraquinho com mais de oitenta, que há cerca de um ano foi remodelado e tem nova gerência, mas que continua a ter como imagem de marca os pratos de carne de porco, há francesinhas na recente Santa Francesinha e há cachorros no República dos Cachorros.

Diogo Bragança, proprietário do Cantinho dos Bragança, não conhece a história por detrás da toponímia da praça, mas já tinha pensado que a aposta em pratos de peixe poderia ser uma hipótese. É um espaço mais focado para os cocktails e as tapas mas brevemente, diz, terá mais pratos de peixe. “Aqui na área, só o restaurante Salmão é que é mais orientado para o peixe”. Abriu os espaço com o irmão no ano passado naquele local por já frequentar a praça e saber que de há um tempo para cá se tornou no destino de muitos. Acredita que nos próximos cinco anos ainda vai crescer mais: “Basta olhar à volta e ver os prédios que estão em obras”. Mesmo ao lado do Cantinho dos Bragança, que tem esplanada em cima da praça, vai nascer outro espaço, conta.

Programada está também a abertura de uma nova Casa Guedes, um dos grandes impulsionadores do movimento que se vive actualmente naquela praça, e outra casa Santiago, espaço conhecido pelas francesinhas e que já tem dois restaurantes na Passos Manuel.

Os sunsets começaram no Tendinha

Uma das alturas do dia de maior afluência às esplanadas é a hora de almoço, procuradas por quem trabalha perto. No entanto, é ao final da tarde que as esplanadas começam a encher. No Tendinha, “há umas décadas” que já é assim. Depois de um dia de trabalho são muitos os que ali se juntam antes de ir para casa ou como preparação para uma longa noite. Ana Lopes, gerente do bar, diz que este é o ponto de encontro de gente que está sobretudo ligada às artes. Uma espécie de “família” numa zona “bairrista” procurada por pessoas “mais alternativas”. À volta são agora dezenas as esplanadas onde convivem grupos de pessoas que têm como preferência a praça dos Poveiros que diz ter um público “muito próprio” e diferente da Baixa. Já foi uma zona mais “marginal” e mais “problemática”, que com o aumento da afluência e da vigilância se foi tornando mais tranquila. Fora os espaços de restauração que vão abrir, diz que há duas guest houses que brevemente estarão a funcionar.

É aos Poveiros que Sérgio Leitão vai regularmente no final de um dia trabalho. Sai de Santa Catarina ao final de tarde e escolhe a esplanada do Tendinha para passar algum tempo com os amigos. Gosta de lá ir por achar ser mais “reservado” e cada vez mais frequentado por gente de todas as faixas etárias. Não querendo “categorizar pessoas” diz que ali sente que são “mais abertas e com algo de particular”.  “A praça dos Poveiros está aberta a toda a gente, mas não é toda a gente que vem aqui”, finaliza.

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