A guerra dos mares

Apesar das personagens Salazar e, claro, Jack Sparrow, o novo filme de Piratas das Caraíbas é pura reciclagem e exploração de uma fórmula.

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Se alguma vez, o que não é certo, a série dos Piratas das Caraíbas teve alguma coisa a ver com a nobilíssima tradição do swashbuckler (e portanto, com questões plásticas: movimento, coreografia), isso já lá vai há muito tempo. Ao quinto filme da série iniciada em 2003 nem é seguro afirmar que continue a haver uma relação com esse elemento básico do filme de pirataria: o mar.

Que não é aqui muito diferente, pensamos, do espaço sideral n’A Guerra das Estrelas ou da noite urbana em qualquer franchise de super-heróis, mero cenário para um corrupio de efeitos digitais pretensamente ao serviço de uma narrativa, que parece ela própria tirada de um template aplicável de igual modo a qualquer episódio d’A Guerra das Estrelas ou de um franchise de super-heróis, pois também aqui já vamos na soap opera e em argumentos cujo segredo reside quase totalmente na revelação de quem é pai de quem, filho de quem ou mesmo tio de quem (grau de parentesco a propósito do qual deve ser mencionada a participação, em cameo de uma cena, de Paul McCartney, em reflexo irónico da presença de Keith Richards em episódios anteriores – ironia que provavelmente se perderá para uns 80% dos espectadores do filme).

Como é óbvio, não se acredita em nada, nem na narrativa formulaica e repleta de clichés nem na sua factura, a montagem bombástica e a avalanche digital a conciliarem-se para impedir qualquer espécie de relacionamento com a componente física da presença dos actores ou dos cenários. E como não se acredita em nada, talvez por isso mesmo o filme apele, ipsis verbis, à crença: “não tens que compreender, tens que acreditar”, ouve-se num diálogo, que de resto não deixa de reforçar que estes Piratas das Caraíbas vivem num zeitgeist muito século XXI, onde a força da convicção se sobrepõe ao poder da racionalidade.

Dito isto sobre o desinteresse geral do filme, vale frisar, até por isso, que não tinha de ser assim. Há algumas ideias boas, por exemplo a personagem de Javier Bardem, de aura timburtoniana, um velho e zombificado caçador de piratas espanhol (de nome Salazar, e referido pelas outras personagens como personificação do Mal absoluto, o que para o público português, em certos diálogos, dará azo a alguns risinhos “fora de contexto”); assim como a nonchalance de Jack Sparrow (Johnny Depp), a que o filme volta sempre que se lembra que não tem que ter sempre um tom grave e sisudo, mas desaproveitada pela relativa secundarização da personagem (os protagonistas são muito mais o jovem casal formado por Kaya Scodelario e Brenton Thwaites), transformada em anfitriã do seu próprio show, concedendo a primazia aos convidados e vindo de vez em quando ao palco para dizer umas larachas.

Pura reciclagem e exploração de uma fórmula, Piratas das Caraíbas: Homens Mortos não Contam Histórias (realizado por um par de noruegueses celebrizado por um filme marinho, Kontiki, sobre a saga de Thor Heyerdahl) resiste a pôr um ponto final. As últimas cenas são, muito claramente, a promessa de um sexto episódio.

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Este Piratas das Caraíbas secundariza o Jack Sparrow de Depp
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