Harold James: “O verdadeiro inimigo da Europa é o medo”

O especialista em História económica e um dos autores do livro The euro and the battle of ideas, diz que Macron vai trazer consigo um maior equilíbrio na relação com a Alemanha, e impulsionar a convergência europeia.

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Harold James, professor na Universidade de Princeton, é autor de vários livros e colaborador do Project Syndicate DR

Para Harold James, um dos autores do livro The Euro and the battle of ideas (juntamente com Markus Brunnermeier e Jean-Pierre Landau), publicado no ano passado, a Europa pode ganhar um novo impulso com Emmanuel Macron, que terá de fazer reformas a nível interno. A capacidade da Europa em responder ao desafio do populismo, diz, numa entrevista por telefone, “dependerá da forma como a relação entre a França e a Alemanha funcionar”. E destaca que o maior inimigo da Europa é o medo, ligado à incerteza sobre o futuro, e que é preciso saber responder a esses desafio.

Para este britânico, especialista em História Económica e professor em Princeton, o “Brexit” vem facilitar o processo de integração europeu. Já esta segunda-feira, inquirido por e-mail sobre o grupo de trabalho para aprofundar a convergência da Zona Euro, anunciado pelos ministros das Finanças da Alemanha e da França, diz que esse é o passo lógico na sequência da vitória de Macron.

O que espera de Macron, o novo Presidente francês?
Acho que a sua eleição foi muito importante. A relação entre a França e a Alemanha tem estado desequilibrada devido às debilidades francesas e é a Alemanha quem tem conduzido, sozinha, a Europa. Acho que Macron virá trazer um maior equilíbrio a esta relação. Mas isso requer algo ao nível da frente europeia, e vai obrigar a substanciais reformas, ao nível interno, da França.

O que quer dizer com "frente europeia"? Um posicionamento também de países como a Itália?
Quero dizer que Macron está certo quando menciona a necessidade de haver mais esforços concertados ao nível europeu, em áreas como a da defesa, dos refugiados ou na maior integração do mercado energético. Há questões que não devem ser abordadas apenas do ponto de vista nacional.

Também os ex-presidentes Sarkozy e Hollande prometeram mudanças, mas com pouco sucesso. Porque é que algo pode mudar agora?
O sistema político francês estava partido… havia o centro esquerda e centro direita, e não trabalhavam em conjunto. Depressa ficaram reféns dos extremos. O governo de Sarkozy foi sendo empurrado pela direita, com um discurso de linha dura sobre a imigração, e o executivo de Hollande perdeu grande parte do seu ímpeto ao avançar com medidas simbólicas para a esquerda, como nos impostos, mas que não trouxeram qualquer melhoria à questão da competitividade francesa. 

Como é que viu o encontro entre Merkel e Macron, na passada terça-feira? Esperava mais, ou foi a reunião possível?
Penso que marcou o início de uma longa discussão, e que começou muito bem.

O anúncio feito esta segunda-feira, pelos ministros das Finanças da Alemanha e da França, da criação de um grupo de trabalho para aprofundar a convergência da Zona Euro, é algo que já esperava, certo?
Sim, é a lógica da vitória de Macron.

A data de Julho para a apresentação de resultados não é demasiado cedo?
Não, não acho que seja demasiado cedo. Esta é uma questão demasiado urgente e que já tem sido amplamente discutida.

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O 'Brexi'” fará com que o processo de integração europeu seja mais fácil EPA/ANDY RAIN

Acredita que, se Merkel for reeleita em Setembro, pode mudar algo na forma como a Alemanha olha para a Europa?
Há sinais dessa mudança… o tipo de discussão que se verifica hoje na Alemanha é diferente do que se produzia em 2012. E é perfeitamente alcançável ter a acção colectiva a nível europeu de que falava há pouco, ao nível da energia ou dos refugiados. Merkel percebe claramente que o desafio vem de fora, vem da Rússia, com Putin, e dos Estados Unidos. Isto numa altura em que a Europa está muito vulnerável, e a única forma de responder a isso é agir mais em conjunto a nível europeu.

Mas é possível mudar a forma como a Alemanha olha para as políticas económicas?
Acho que há dois aspectos: o que deve ser feito na Alemanha e o que deve ser feito na Europa. A Alemanha neste momento não precisa de estímulos orçamentais, é o resto dos países quem precisa de apoios. E, aqui, os projectos europeus são muito importantes. Penso que algum do criticismo, em que se diz que a Alemanha precisa de mais estímulos orçamentais, não tem muito sentido porque não é isso que vai levar a uma recuperação dos países do Sul da Europa. O que vai ajudar são os projectos de âmbito europeu, e a Alemanha tem de contribuir para isso.

É possível a existência de Eurobonds?
Não sei se serão chamadas assim, mas o mecanismo europeu de estabilidade já é um passo nessa direcção, com a ideia de o transformar num fundo monetário europeu. E quando se fala em medidas colectivas ao nível da defesa, isso requer sem dúvida um orçamento comum. É, aliás, ao nível destas questões que Macro poderá fazer a diferença.

Onde é que vê mais divisões na Europa? Entre o Norte e o Sul, ou entre Este e Oeste?
As duas situações acabam por ter pontos comuns. O que se está a verificar na Polónia e na Hungria é uma reacção contra a Europa mais focada em temas políticos do que económicos. Mas quando a Europa começar a actuar de forma mais efectiva e se verificar um maior dinamismo – neste momento já se assiste a uma maior recuperação económica –, nessa altura as críticas vão suavizar-se. Tendo em conta a ameaça da insegurança, que é muito, muito real, em particular para os polacos, é expectável que surja uma mudança de postura.

Com o “Brexit”, os países que estão fora da moeda única ficaram sem o seu maior porta-voz. A saída do Reino Unido vai acentuar a tendência para uma União Europeia com várias velocidades, ou camadas, com os que estão fora e dentro do euro, mesmo entre os que têm a moeda única?
Penso que, por diversas razões, o “Brexit” fará com que o processo de integração europeu seja mais fácil. Uma das falhas cruciais é o facto de a Zona Euro não ter uma capacidade orçamental. Ela existe ao nível da União Europeia, onde a Grã-Bretanha e a Dinamarca tinham a opção de nunca aderir ao euro. Com a saída da Grã-Bretanha, e além da Dinamarca, todos os outros estão ou na Zona Euro ou a caminho. Isso faz com que seja muito mais fácil ter uma discussão sobre o orçamento da Zona Euro, e que considero ser muito importante para a estabilização. Principalmente durante o mandato de Cameron, a Grã-Bretanha minou constantemente os esforços de estabilização da União Europeia. Uma Europa sem esse tipo de interferências é uma Europa mais forte. 

Qual é o maior inimigo do projecto europeu, neste momento? O populismo? Ou ainda a crise económica?
É difícil responder. O populismo está também ligado ao medo da globalização, da perda de postos de trabalho, das novas tecnologias. Mas o que se verificou durante as eleições francesas foi a ausência de uma resposta coerente por parte de madame Le Pen a essas questões. A capacidade da Europa em responder ao desafio do populismo dependerá da forma como a relação entre a França e a Alemanha funcionar. O verdadeiro inimigo da Europa é o medo, ligado à incerteza sobre o futuro, e as políticas europeias têm de saber responder a esses receios.

No ensaio que escreveu com outros autores, Economy Policy And The Rise Of Populism – It’s Not So Simple, afirma-se que populismo deverá forçar os governos a lidar com os problemas económicos que não levaram em conta até agora. Acredita que isso é possível?
Acho que sim. Os desafios existem, são reais. A maioria das respostas apresentadas  pelos populistas não são coerentes e levariam a um aumento da inquietação e insatisfação, à perda de mais postos de trabalho. Veja-se o caso da ideia de tirar a França do euro, isso teria um resultado desastroso. Há uma escolha, neste momento, entre um projecto que está em construção, e que precisa de mais esforços para ser melhorado, e algo que é completamente incoerente.

Mas para se ir mais além no combate aos receios da pessoas, que tendem a crescer, o que é que se pode fazer? Porque há de facto efeitos do fenómeno da globalização. O próprio FMI mencionou recentemente a necessidade de compensar os que foram afectados...
A questão é saber exactamente o que fazer para compensar os que perdem com a globalização. No fim de contas, a única forma de combater o problema é através da criação de novos empregos, novas áreas de crescimento económico.

Está a dar aulas nos EUA. Como avalia estes primeiros meses de Donald Trump?
Ainda não se percebeu, com clareza, qual o rumo político. Aquilo a que assistimos até ao momento é algo muito confuso. Há espaço, por exemplo, para investimentos em infra-estruturas, onde há muito para fazer, mais do que na Europa, como ao nível da reparação de auto-estradas, pontes, modernização de aeroportos… mas não sei se irá mesmo por esse caminho. O mais provável é avançar-se com uma grande descida de impostos, e acho que não é disso que os Estados Unidos precisam. Se fizer subir o consumo e reduzir as poupanças só vai piorar os problemas de longo prazo do país.

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Ainda não se percebeu, com clareza, qual o rumo político de Trump REUTERS/Eric Thayer

Que palavra define melhor os tempos que estamos a viver neste momento? Esperança, medo, incerteza…
O que vemos mais na Europa é esperança, mas há muita incerteza no mundo neste momento. Há uma grande preocupação sobre o futuro da democracia, e isso torna a Europa muito importante, com um papel central na forma como isso irá evoluir.

Olhando para o que está a acontecer na Coreia do Norte, teme o advento de um conflito à escala mundial?
O ambiente de segurança está muito precário. Estou bastante preocupado com a situação na Coreia do Norte, que requer uma grande capacidade política de forma a lidar com o desafio que está a colocar em termos internacionais. Os Estados Unidos podem talvez ter alguma influência na situação, mas quem tem de facto essa capacidade é a China. Julgo que cabe à liderança chinesa assegurar que a península coreana se mantém em paz.

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