"A banca terá de ser melhor que a Amazon"

Pedro Leitão, administrador executivo do Banco Atlântico Europa, detido por capitais angolanos, dá os exemplos da Amazon e da Nike como experiências de consumo no digital que estão a demonstrar apetite pelas práticas bancárias.

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Pedro Leitão é administrador executivo do Banco Atlântico Europa. Nuno Ferreira Santos

Com sede em Lisboa, o Banco Atlântico Europa foi lançado em 2009 e é detido maioritariamente por capitais angolanos, onde se destaca a posição do presidente não executivo Carlos Silva (vice-presidente do BCP). Em 2016 a instituição liderada por Diogo Cunha registou um lucro de cinco milhões de euros, destinando 10% a difundir a marca e a promover a captação de clientes. Para este ano, o banco vai reforçar o foco nos canais de distribuição digitais, que vão beneficiar de um programa de investimentos liderado por Pedro Leitão. Em entrevista ao PÚBLICO o administrador executivo explicou a razão da aposta: a transformação para o digital do modelo bancário hoje centrado no retalho vai acontecer, a dúvida é saber com que rapidez. O smartphone vai ser “o elemento fundamental”.

O Banco Atlântico [marca que resulta do angolano Banco Privado Atlântico, agora Banco Millennium Atlântico] apresentou-se ao mercado, em 2009, com o foco na actividade online. Excluem ter uma rede física de balcões?
A estratégia do banco visa os clientes particulares com capacidade digital. A ideia não é crescer em termos de capilaridade, nem de implantação geográfica, não queremos crescer por abertura de balcões.

Abriram uma operação na Namíbia, têm licença para abrir outra em Moçambique, pediram para abrir uma sucursal num país da zona euro. Pode dar detalhes?
Ainda não. Na União Europeia (UE) estamos autorizados a prestar serviços na Alemanha e na Áustria. E temos já aprovado desde Fevereiro deste ano autorização para prestar serviços financeiros em mais cinco mercados: Espanha, Itália, Reino Unido, Holanda e Irlanda. E é debaixo do passaporte europeu que queremos prestar serviços financeiros com base numa plataforma digital, sem balcões físicos. Nesta linha de negócio, o mercado para nós tem dois eixos: o da língua portuguesa no mundo; e o da UE.

Entre 2013 e 2016 a banca online triplicou, mas agora estabilizou...
O sector em geral apostou fortemente na actividade online, com base num site, como mais um canal complementar de acesso dos clientes ao banco. Mas não é disso que eu estou a falar, é de um novo conceito de prestação de serviços financeiros. De ter uma plataforma digital como principal meio de interacção com os clientes. O que faz toda a diferença.

Antecipar as grandes mudanças de consumo, implica avançar para um novo capítulo tecnológico?
A plataforma digital multimeios vai para além do que é o telefone, o email, pois junta comunicações via Skype, Whatsapp, Facebook, Messenger. Dá a possibilidade ao cliente de se relacionar com o banco como entender. Há outro tema: de acordo com as novas tendências de consumo, o smartphone é, em geral, a principal escolha dos consumidores para se relacionarem com o mundo digital. E, seja na consulta à internet, seja no acesso a dados móveis, o smartphone é o elemento fundamental. O site do banco pode ser um aspecto da plataforma digital, mas não é o único. Os clientes procuram uma perspectiva de consumo mais amigável, idêntica à das outras marcas do mundo digital, como a Amazon ou o Google. E não a têm encontrado na banca.

O telemóvel vai ser o pivô do relacionamento com o cliente?
No imediato, o Banco Atlântico vai trazer para o mercado uma experiência de consumo diferente, mais fácil, mais inspirada na Amazon. Uma adesão assente na componente digital, que possibilite ao cliente não ter de sair de casa, do seu automóvel, do jardim para poder iniciar a relação com o banco. E com etapas de prestação de informação: pode registar-se, pode interromper o processo, e voltar mais tarde. No fundo, o cliente pode escolher o momento e o local para finalizar o processo. Sabemos que a mobilidade no sector bancário, a velocidade com que as pessoas mudam de banco, é baixa face a outras indústrias, está entre os cinco e os oito por cento.  

Por ser uma relação de confiança?
Também. E acrescentava: é trabalhoso e complexo mudar de banco. Implica múltiplas deslocações e a leitura de um típico paperwork, que não gera interesse aos consumidores do mundo digital. E também não há soluções grandemente mobilizadoras para que os consumidores se transfiram de uma instituição para outra. 

Já aqui falou da Amazon que acaba de inaugurar uma loja num espaço físico sem caixas de pagamento e funcionários a atender ao público.
Exacto. A Amazon [retalhista online que começou por vender livros e discos] decidiu recentemente descer do mundo digital e trazer para dentro alguma experiência física. E abriu, em Seattle, a sua primeira loja física [de conveniência] muito vocacionada para bens alimentares em que disponibiliza aos clientes a possibilidade de ver e de mexer. Quando o cliente [com wi-fi] entra, é detectado e faz a confirmação, depois coloca os produtos no carrinho e sai da loja sem ter de os tirar, sem ter de parar na caixa, sem ter de puxar do cartão ou de dinheiro para pagar. Mas antes de sair, recebe um email, um sms com o valor que vai pagar.

Isso significa uma nova abordagem do digital?
A Amazon está a trazer para a componente física, as componentes boas que os clientes apreciam no mundo digital. Há outros exemplos: a Nike fabrica sapatilhas e com a sua plataforma [de recolha de dados], a que os consumidores estão ligados, sabe que modelo usam, o seu número, quantas vezes correm por semana, o tempo que fazem. A marca fica com acesso ao padrão de consumo, de sapatilhas e de roupa. A Nike tornou as suas lojas em experimentalismo, pois os consumidores vão lá divertir-se e experimentar os produtos. E os empregados não estão lá para os vender, mas para que possam ser experimentados, personalizados, para serem comprados via online.

Como é que um banco dá esse passo?
Nos negócios da economia digital aceder a dados é o tema: a Amazon começou por aí e a Nike fez o contrário, da venda de sapatos, passou para a recolha de informação em plataforma. Se o banco conseguir aceder a informação sobre o cliente e a processar, o custo marginal para ter mais clientes satisfeitos tende a diminuir. Foi a conclusão de Peter Hinssen, expressa no livro The Network Always Wins. O Atlântico nasceu vocacionado para clientes não residentes, onde a interacção sem a componente física é relevante. A nossa abordagem ao cliente já é digital, o que agora estamos a fazer é a sofisticar o processo de onboarding (de aquisição de clientes) e temos de nos equiparar a uma experiência de consumo do e-commerce. E faltam vários passos. 

Pode concretizar?
O Banco Atlântico não está na luta pela abertura de contas, até porque 95,6% da população portuguesa está bancarizada. E ou apresenta soluções fáceis ou o cliente não adere. Numa primeira fase, há que desburocratizar o processo, simplificar a linguagem que na banca é hermética. E um dos targets (alvos), os mais jovens, os ditos millenials  [25% da população activa], não se revêem no modelo de banca tradicional. Muitos têm pouco dinheiro, não querem ser maltratados, nem ter informação irrelevante. Grande parte usa o Spotify [plataforma de streaming de música], e cerca de 90% acede gratuitamente a músicas. É o que é relevante para estes consumidores. E é o salto da relevância que temos de dar. 

Nesta nova fase, os jovens são o alvo principal do Banco Atlântico?
Também. No mercado da língua portuguesa e da UE os jovens têm capacidade de atracção deste serviço, mas não são os únicos. O objectivo é ir buscar clientes com capacidade digital. Em 2016, os que consomem em Portugal através de e-commerce [comércio electrónico] gastaram 3,1 mil milhões de euros, uma média de mil euros por cabeça. A verdade é que o consumo online e a internet são interclassistas e não é apenas a geração de 20 anos que tem boa capacidade para lidar com o e-commerce. A prova é o sucesso do Facebook em Portugal, onde existem 4,7 milhões de utilizadores, vai muito para além do que são os millenials

As empresas tecnológicas são vistas como uma ameaça à banca tradicional...
As fintech são, especialmente nos sistemas de pagamento. Por exemplo, a Amazon anunciou que os 7% de norte-americanos não bancarizados vão poder fazer compras online sem ter conta bancária ou cartão de crédito. Mas ainda não explicou como o fará. Apenas disse que ia disponibilizar uma rede, em parceria com uma entidade, onde o consumidor pode carregar com dinheiro um cartão, como é o pré-pago. É outro exemplo de como as empresas do mundo digital se estão a mover para o espaço financeiro. A transformação da indústria bancária já não é uma escolha.

Sendo o capital da banca a confiança, como é que se lida com as ameaças, uma delas é a fraude informática?
Há uns anos, a grande preocupação da banca era ter uma grande componente de segurança física e de visualização dos agentes humanos que tratavam do dinheiro. E também havia esquemas, fraudes. Com a saída da plataforma física, o tema deixa de ser a segurança estática, para ser o da cibersegurança, a preocupação de qualquer entidade que usa a internet como meio prioritário de relação com o cliente. O que exige políticas de segurança robustas. E a banca em sistemas de segurança está na linha da frente, só suplantada pela indústria militar A banca terá de ser melhor do que a Amazon.

Como?
Antes já era grave escrever o código multibanco no versus do cartão, e havia quem o fizesse, tal como é incauto deixar em casa um computador sem antivírus e escrever numa folha de Excel os vários códigos de acesso. A possibilidade de entrar num computador não protegido é grande.

A semana passada assistiu-se pela primeira vez a um ataque cibernético à escala global. É possível lutar contra este inimigo oculto?
É, desde que as empresas tenham uma política activa de segurança e que mantenham sistemas informáticos actualizados,  promovam a literacia financeira. E tenham políticas de gestão de crise. Neste ataque, a EDP, por exemplo, mandou desligar imediatamente todas as ligações à internet.

E os bancos, podem reagir a um ataque desta natureza [vírus que entraram através das lacunas dos sistemas das empresas visadas e encriptaram a informação]?
A pior coisa que podia acontecer a um banco era o vírus entrar e congelar ou sequestrar todos os dados sobre contas e clientes. Os bancos têm que ter sistemas de segurança robustos, ou seja, barreiras que não deixem entrar utilizadores não identificados, antivírus robustos, actualizações permanentes dos softwares e ter backups [cópias de segurança] diários de toda a informação, o que já se verifica. É um processo sem fim, de progressiva sofisticação dos sistemas. 

A transformação digital da banca

A transformação da banca está em curso e a questão já não é se vai acontecer, mas com que rapidez vai acontecer. Esta é a mensagem de Pedro Leitão que destaca quatro grandes força a empurrar a indústria financeira para o mundo digital:

  1. O comportamento dos clientes que procuram uma experiência de consumo, personalização e disponibilidade. E isto verifica-se em qualquer actividade.
  2. A revolução digital, com o fenómeno da inteligência artificial a tomar o processo, com componentes de robotização. E ainda o tema etéreo da cloud [espaços virtuais onde se arquivam grandes quantidades de dados e plataformas a que podemos aceder em qualquer parte], mas que na banca é fundamental: deixará de haver cofres-fortes, com tudo o que é infra-estruturas e servidores, para passar a armazenar a informação em grandes data centers.
  3. O aparecimento de novos players na concorrência e que atacam a cadeia de valor dos bancos e se mostram mais eficientes. Não têm o passado ou o peso do crédito malparado e a única preocupação é satisfazer as necessidades financeiras dos clientes. As fintechs (que juntam finanças com tecnologia) estão a dar cartas nos sistemas de pagamentos internacionais. Exemplos: o Revolut, a plataforma de pagamentos e de reconversão cambial, e o Paypal, que funciona com base na desmaterialização dos cartões de crédito. O cliente tem uma conta, que é no fundo um porta-moedas. Há ainda as grandes empresas do mundo digital a entrar progressivamente na esfera financeira. O Facebook já pediu diversas licenças bancárias e a Apple já tem o Apple pay [por telefone já se conseguem fazer pagamentos]. 
  4. A mudança do paradigma da regulação financeira centrada na robustez do capital e da liquidez das instituições bancárias tradicionais. Em contrapartida, as sociedades do mundo digital têm falta de regulação.

Uma revolução com repercussões:

  • O dinheiro e os cartões físicos tendem a desaparecer, para serem substituídos por user-id (número atribuído ao cliente) e porta-moedas electrónicos.
  • Haverá desaparecimento de balcões
  • Haverá grandes reduções de pessoal
  • E é expectável um aumento da fraude informática, o roubo de identidades, a cópia de passwords,
  • Os investimentos em cibersegurança vão disparar

 

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