Quem acredita em Tom Dumoulin?

O actual camisola rosa da Volta a Itália já decepcionou na Vuelta de 2015.

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Tom Dumoulin LUSA/ALESSANDRO DI MEO

Talvez a demonstração de força da 13.ª etapa tenha sido aquilo que os "descrentes" precisavam para acreditar que Tom Dumoulin pode, efectivamente, ganhar a Volta a Itália. Talvez. Ver o contra-relogista perseguir Nairo Quintana, o melhor trepador do pelotão, alcançá-lo e, de seguida, deixá-lo sem reacção, para ganhar mais tempo a toda a concorrência no alto de Oropa, seria uma prova irrefutável para confiar no holandês em todas as circunstâncias. Mas, para todos os que seguem o ciclismo como uma religião, a jornada de 12 de Setembro de 2015 ainda está bem viva na memória.

Nesse dia, Dumoulin foi do céu ao inferno em 175,8 quilómetros. À partida para a penúltima etapa da Volta a Espanha, o ciclista da Sunweb era o camisola vermelha. À chegada, não só tinha perdido a Vuelta, como estava afundado no sexto lugar da classificação geral. “Aprendi uma lição nesse dia: uma grande Volta não está acabada até ao último dia”. Aquele precioso ensinamento mudou o rapaz de Maastrich. Aos 26 anos, redefiniu prioridades, assumiu-se como um potencial vencedor de uma grande Volta. Pela primeira vez na sua carreira, delineou a época a pensar não nas vitórias em etapas – como aconteceu em 2016, quando apontou, com sucesso, aos contra-relógios de Giro e Tour -, mas na geral. Estagiou em altitude, preparou-se para a montanha.

“Está mais relaxado, mais experiente, mais habituado à pressão, mais bem preparado, o que significa que conhece melhor as etapas e sabe o que quer delas”, revelou o seu director desportivo. Mas Aike Visbeek não foi o único a reparar na metamorfose da "borboleta de Maastrich" – a alcunha advém da graciosidade e elegância ao pedalar. “Ele não entra em pânico quando é deixado para trás. Se perder, perde pouco tempo aqui e ali, gere o esforço e não entra em crise”, explicou o director desportivo da Bahrain-Merida ao site Velonews.

Para Paolo Slongo, o "maglia rosa" é mesmo o candidato número um ao triunfo, sobretudo porque a festa de Milão só será feita após um contra-relógio final de 29,3 quilómetros. Tal como o é para Dario Cioni, o director desportivo da Sky: “Agora, ele pode ganhar. Arrasou no ‘crono’ e ainda tem mais um para ganhar tempo a todos. É o meu favorito e a minha aposta”.

Imune à opinião de outros, Dumoulin prefere não embarcar na euforia. “Ainda temo que muita coisa possa acontecer. Com apenas um dia mau, posso perder muitos minutos”. E o ciclista da Sunweb sabe do que fala. Além do colapso na Vuelta 2015 – comentou-se que estaria doente, mas o holandês nunca o confirmou -, a sua curta carreira, iniciada em 2011 na equipa continental da Rabobank, tem sido pautada por inoportunos azares.

Contratado pela Argos-Shimano, precursora da Sunweb, em 2012, deu de imediato nas vistas, com resultados no "top-10" em corridas de uma semana. Aos 23 anos, foi quinto na Volta à Suíça, campeão nacional de contra-relógio, medalha de bronze na especialidade nos Mundiais. Esperava-se que 2015 fosse o seu ano e os dados iniciais comprovaram-no: foi quarto no Tour Down Under, terceiro na Suíça. No prólogo do Tour, pedalou para a camisola da juventude, que envergava quando, à terceira etapa, caiu e deslocou o ombro. O revés impeliu-o para a Vuelta, onde, apesar do desfecho, ganhou duas etapas.

Com o Rio 2016 à espreita, programou a época com o ouro do contra-relógio olímpico em mente. Conquistou a camisola rosa no "crono" inicial do Giro, disputado diante do olhar dos seus compatriotas, em Apeldoorn, e vestiu-a até à sétima etapa. Foi campeão nacional da especialidade e foi para o Tour mais confiante do que nunca. Venceu a 9.ª etapa, dominou o contra-relógio da 13.ª e foi segundo, atrás de Chris Froome, na crono-escalada da 18.ª. Mas, um dia depois, viu, novamente, as estradas francesas estilhaçarem as suas aspirações: caiu e fracturou o pulso. Faltavam duas semanas para os Jogos Olímpicos. Dumoulin não desistiu: viajou para o Rio de Janeiro e subiu ao pódio como medalha de prata.

Acostumado a ver os seus sonhos sacudidos por infortúnios, o líder do 100.º Giro deixa o aviso antes dos derradeiros quilómetros: “O que aconteceu na Vuelta pode acontecer outra vez, porque ainda só escalámos metade das subidas. Será uma terceira semana dura e, normalmente, o [Vincenzo] Nibali e o Quintana demonstram a sua fortaleza na última semana. Eu ainda tenho de provar que também sou capaz”.

 

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