Medicamentos inovadores fazem disparar gastos nos hospitais

Estamos a gastar sensivelmente o mesmo nas farmácias, mas mais nos hospitais. Despesa total com fármacos, incluindo o que sai directamente do bolso dos utentes, ficou perto dos 3 mil milhões de euros em 2016.

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Os portugueses estão a consumir cada vez mais medicamentos, mas a despesa não está a aumentar significativamente nas farmácias, ao contrário do que acontece nos hospitais, onde os gastos voltaram a subir em 2016, depois da queda registada durante os anos da troika. Somando os medicamentos consumidos nos hospitais e vendidos nas farmácias, gastámos perto de 3 mil milhões de euros no ano passado.

Os dados da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) ainda não são definitivos, mas, de Janeiro a Novembro do ano passado, a factura com fármacos nos hospitais públicos ascendeu a 1023 milhões de euros, mais 8,5% do que no mesmo período de 2015.

O crescimento da despesa hospitalar deve-se, em parte, à aprovação em 2016 de um número sem paralelo, em anos recentes, de medicamentos inovadores. Das 51 novas moléculas, a maior parte são para uso hospitalar e para tratamento de uma série cancros (pulmão, próstata, mama, melanoma) e outras patologias, incluindo algumas doenças raras.

Os fármacos com mais impacto na despesa são justamente aqueles que são usados no tratamento de cancros, como, por exemplo, imunomoduladores e citotóxicos, mas têm ainda grande peso na factura os tratamentos para VIH/sida. Os gastos com os medicamentos para a hepatite C não estão incluídos nas contas do Infarmed, mas já foi anunciado que foi possível baixar os preços para menos de metade depois de o acordo de exclusividade assinado por dois anos com o laboratório Gilead ter terminado.

As unidades hospitalares com agravamentos mais significativos da factura com fármacos em 2016 foram, segundo os dados do Infarmed, os centros hospitalares de São João (Porto), do Tâmega e Sousa, de Tondela-Viseu e do Barreiro-Montijo. Os três IPO (Instituto Português de Oncologia) também tiveram crescimentos assinaláveis, com maior expressão no caso de Lisboa e menos de Coimbra.

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Seja como for, no início deste ano, a tendência de subida da despesa nos hospitais deu sinais de alteração, está ligeiramente abaixo dos níveis de 2016, adiantou ao PÚBLICO o vice-presidente do Infarmed, Rui Ivo, que explicou que, para contrariar o impacto financeiro dos medicamentos inovadores, se tem apostado em diversas estratégias, como a renegociação das condições dos fármacos que estão há mais tempo no mercado e a entrada de biossimilares, versões similares dos medicamentos biológicos (que são produzidos a partir de células vivas, com recurso a métodos de biotecnologia).

A inovação é um desafio para todos os países. “Há inovação muito importante a chegar ao mercado e doentes a pressionar, porque querem viver mais anos com mais qualidade de vida”, explica a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, que evoca a mensagem publicada pelo ex-Presidente francês François Hollande na revista The Lancet, na qual desafiava os países a juntarem-se para negociarem a compra de medicamentos inovadores. É isso mesmo que Portugal se prepara agora para fazer em conjunto com mais oito países.  

Famílias gastaram menos

Do lado das farmácias, mesmo com um pequeno aumento do número de embalagens vendidas, os gastos com medicamentos estabilizaram no ano passado e os encargos até diminuíram ligeiramente para os utentes (menos 1,9% do que em 2015). Os cidadãos pagaram do seu bolso perto de 700 milhões de euros (preços de venda ao público), enquanto os encargos do Estado (comparticipações) ascenderam a quase 1190 milhões de euros.

"Estabilizar é uma boa palavra para definir o que está a acontecer" nas farmácias, considera o presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF), Paulo Duarte, que recorda que o mercado caiu quase 30% em poucos anos.

Portugal é hoje dos países da União Europeia “com medicamentos com preços globalmente mais baratos”, devido ao ajustamento nos anos da troika, frisa também a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos. “Um ajustamento que foi exagerado”, acredita, notando que, se os doentes foram beneficiados, ainda hoje "há pessoas que continuam a não conseguir comprar" todos os fármacos de que necessitam. “Para esses temos que encontrar respostas sociais que não passam por baixar os preços para todos os cidadãos”, defende. Porque baixar mais os preços dos fármacos não é solução, sustentam os dois. Se continuássemos com esta tendência de abaixamento de preços começaríamos a ter sucessivas rupturas de stock, como aconteceu num passado recente e ainda hoje sucede, pontualmente, adverte a bastonária.

Esse foi, de resto, um dos efeitos secundários da quebra abrupta dos preços dos medicamentos durante os anos do ajustamento financeiro, quando aumentou a chamada exportação paralela (para países onde os preços são mais elevados), que afecta o abastecimento do mercado nacional.

Uma forma de redução da despesa passa pela promoção da venda de medicamentos genéricos, que são mais baratos do que os originais, e cuja quota tem vindo a aumentar ao longo dos anos. Em 2016, porém, houve, pela primeira vez, uma redução ligeira, já recuperada nos primeiros meses deste ano.

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O actual Governo negociou, entretanto, com as associações, incentivos financeiros à venda de genéricos que já estão a permitir atenuar “a espiral negativa” em que as farmácias se encontravam por “uma série de razões”, diz Ana Paula Martins. Para trás, ficam anos de austeridade e de muitas dificuldades. A estratégia de redução da despesa nos anos da troika assentou em sucessivas diminuições de preços, redução de barreiras à entrada de novos genéricos e prescrição por denominação comum internacional (em vez de por marca), que ajudou a aumentar o consumo de genéricos e a diminuir a despesa com comparticipações.

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