Salvador Sobral: “Nunca tive tanto público na minha vida. Porque será?”

O público cantou e dez mil pessoas celebraram a vitória do novo herói nacional. “És o maior”, grita-se. Salvador Sobral actuou este sábado em Obras do Fidalgo, em Marco de Canaveses, pela primeira vez após a vitória na Eurovisão.

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LUSA/OCTÁVIO PASSOS
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Poderá estar relacionado com ter vencido “aquela coisa” da Eurovisão. Também era gratuita a entrada para o primeiro teste de palco depois de ter trazido o troféu para casa. Salvador Sobral desconfia porque é que, pela primeira vez num concerto em nome próprio, tocou para “mais de cem pessoas”. Ainda assim, por via das dúvidas, procura chegar a uma resposta: “Nunca tive tanto público na minha vida. Porque será?”

Na verdade, foram uns milhares que se deslocaram neste sábado à noite às Obras do Fidalgo, em Marco de Canaveses, no âmbito do festival Confluências. Bem mais do que a média de uma centena a que estava habituado. Sobral nem sabia que havia tanta gente que admirava a sua obra ou que conhecesse a primeira longa duração, Excuse Me, lançado no ano passado. Talvez não houvesse mesmo assim tanta gente que conhecesse. É melhor fazer o teste para fazer uma triagem. Toca-se já “a música” para arrancar o concerto? Melhor não. Espera-se mais um pouco.

Some things will never change, that’s what you told me” é o primeiro verso de Change, que dá início ao espectáculo. Há uma promessa feita na letra. Ainda é cedo para dizer o que mudou ou para adivinhar o que vai mudar. O concerto começa agora e a nova etapa da carreira de Salvador Sobral também.  

Salta do inglês para o espanhol e para o inglês outra vez. Apresenta Júlio Resende, “o melhor pianista do país”, André Rosinha, no contrabaixo, “o solteiro mais bonito”, e Bruno Pedroso, cujo estado civil diz desconhecer. Saem as notas do piano de Resende para fazer cama a Presságio, poema de Fernando Pessoa. Curiosamente, cama, é o que se ouve um senhor pedir: “Está-me a dar sono. Toca lá a música.” Começa a tornar-se difícil prestar atenção ao piano com o burburinho de fundo. Um momento mais intimista que se perde para o regabofe ao estilo de arraial popular.

No início, tinha prometido tocar as músicas do álbum, “outras coisas” e muito improviso. “I told you once and I’m not going to repeat it, you’re not welcome here. That’s not real music, we don’t want that here. Eurovision, Eurovision what?”, improvisa um rap com mensagem endereçada antes de entrar o piano de Excuse me, um dos singles do álbum. Uma versão mais longa, na qual Salvador agarra a música como se a estivesse a cantar pela primeira vez. Há scat, solo de piano e tempo para viajar. O público acompanha com palmas.  Em contraste, no palco podia estar-se num clube de jazz em jam session a tocar para dez pessoas.

“Se um dia... ai, não, não é esta”, canta e corrige. Falso alarme. Ainda não é agora. “Se tocasse já, ia toda a gente embora”, ouve-se alguém dizer. Toca Loucura. Na letra também há uma desilusão de amor, mas aqui é o remorso de uma infidelidade, cantado de uma forma que nos faz acreditar nele. Sobral retira-se para um dos lados do palco e dá espaço ao solo de contrabaixo de André Rosinha.

Sai directamente de um momento de grande intensidade para o registo de animador. “Um dia vou comprar umas calças que me sirvam”, diz enquanto as sobe. Há risos. “Faz parte do show”, continua. São estes os momentos que mais facilmente conseguem manter o público em silêncio.

Segundos depois já está a pintar entre graves e agudos a base do piano de Resende com uma melodia de voz comovente a lembrar Dead Can Dance. É a entrada improvisada para Ready for love again.       

Começa a perceber-se que a promessa que é feita em Change pode ter algum fundo de verdade. Se há coisa que parece não querer mudar é a forma como se entrega à música. Canta para uma multidão sabendo que nesta fase os holofotes lhe estão apontados e parece esquecer-se disso enquanto actua. Não adapta o set à medida do espaço onde está, um cenário idílico com a ruína da fachada das Obras do Fidalgo por trás e uma multidão que na sua maioria queria ouvir o tema que mais rodou nas últimas semanas. O álbum ganha ao vivo outra dimensão e transforma-se em algo de novo, inesperado e mais dinâmico. São músicas novas sustentadas nos mesmos alicerces do registo de estúdio. Para correr melhor o espaço ideal seria uma sala. 

Um clube de jazz

Com um início a lembrar Georgia on my mind, a banda toca Benjamim, composição de Sobral e André Rosinha, seguido do devaneio mais swingado Something real, aqui com espaço para o improviso e para a trio de instrumentistas brilhar. De repente as Obras do Fidalgo são um clube de jazz. “Devem estar a pensar: fomos enganados. Não foi nada disto que eu vi no festival”, brinca. Salvador tem jazz e espalha-se pelo corpo. Tem carisma na atitude e na voz, que não compromete ao vivo e desdobra-se em várias camadas. É sobretudo um músico de palco, onde transforma as composições.

“Vou tocar uma música nova”, diz. Pela primeira vez, depois de várias tentativas goradas de alguns elementos do público para tentar que se fizesse silêncio na plateia, não se ouve um pio. Levantam-se os telemóveis preparados para o que poderá vir a seguir. Sai Amar pelos dois. “Não me acredito, o telemóvel ficou sem bateria”, diz uma jovem. “Logo agora que ia fazer um directo”, continua com uma voz de pesar. O público cantou e celebrou a vitória do novo herói nacional. “És o maior”, grita-se. Como quando num jogo de futebol com o aproximar dos últimos minutos não há mais nada para resolver, no final da música parte do público debanda. Toca-se mais uma e fazem-se as despedidas que antecipavam um encore.

Voltam para mais duas, a primeira com Salvador sozinho ao piano e acaba com um improviso blues com uma letra tirada na hora que contava a história inventada  que começa num encontro com alguém do sexo feminino que se adivinhava promissor e termina com um desfecho que fica no segredo dos que aguentaram até ao fim. Hora e meia depois do início do concerto despede-se: “O meu nome é Salvador Sobral e espero que me possam voltar ver em breve noutro sítio.”  

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