O combate desigual à precariedade

Urge alterar a legislação laboral portuguesa no sentido de restringir a contratação a termo e o trabalho temporário.

No dia 3 de Maio de 2017, foi publicada a Portaria n.º 150/2017, que, finalmente, aprovou os procedimentos necessários para a regularização extraordinária dos vínculos precários na administração pública e no sector empresarial do Estado, excepto autarquias.

Assume particular relevo a presunção da inadequação do vínculo laboral, mormente, dos chamados “recibos verdes”, sempre que se verifique alguma das seguintes características: prestação da actividade no local pertencente ao Estado ou às suas empresas; equipamentos e instrumentos de trabalho das mesmas entidades; horas de início e termo da prestação; pagamento periódico de uma quantia certa ou dependência económica dos trabalhadores.

Trata-se, sem dúvida, de uma medida importante para extirpar o cancro da precariedade, que vem afectando negativamente a vida de muitos milhares de trabalhadores do sector público.

Estes indícios correspondem, exactamente, aos requisitos da presunção de contrato de trabalho previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho, aplicável no sector privado. Porém, lamentavelmente, ao invés da prevista regularização no sector público, tem-se agravado a precarização das relações laborais no sector privado, sobretudo, dos jovens.

Segundo o Livro Verde sobre as Relações Laborais, só em 2015, num total de 956.758 admissões, 82,2% desses trabalhadores foram admitidos pelas empresas através de contratos precários, sobretudo contratos a termo e falsos contratos de prestação de serviços. Nos jovens dos 15 aos 24 anos, a proporção de contratos não permanentes no total dos trabalhadores por conta de outrem atinge os 24,2%.

A precariedade laboral, acompanhada de baixos salários, provoca o aumento da pobreza e causa sérios danos na saúde física e psíquica dos trabalhadores e das suas famílias. No entanto, a Constituição da República garante a “segurança no emprego” (artigo 53.º), o direito ao trabalho e a “organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação do trabalho com a vida familiar” (artigo 59.º, n.º 1, alínea b).

Estes direitos fundamentais estão igualmente consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 23.º), na Carta Social Europeia (artigo 1.º) e no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (artigo 6.º). No mesmo sentido, a Organização Internacional do Trabalho recomendou a “promoção do trabalho digno para todas as pessoas como um objectivo essencial, realizável e prioritário” (v. Relatório da 104.ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho – 2015).

Assim sendo, urge alterar a legislação laboral portuguesa no sentido de restringir a admissibilidade da contratação a termo e do trabalho temporário e agravar as coimas aplicáveis às respectivas contra-ordenações. Outrossim, os abusos mais graves e reiterados, como os que afectam, frequentemente, a protecção da parentalidade, devem ser criminalizados.

Simultaneamente, impõe-se facilitar o recurso à acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, face à reduzida eficácia da intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, sem prejuízo do alargamento do seu âmbito a todas as relações de trabalho ilegais e da protecção dos trabalhadores contra retaliações dos empregadores. Nesta matéria, cumpre salientar a justeza das propostas apresentadas, recentemente, na Assembleia da República.

Nestes processos legislativos, afigura-se relevante a participação das associações sindicais, que é um direito consignado no artigo 56.º, n.º 2, alínea a) da Constituição. Estão em causa a dignidade e a igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, independentemente do sector onde laboram.

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