As cidades e a arquitectura ficcional de A Guerra dos Tronos hoje em Lisboa

A arquitectura ficcional é criar uma casa para uma história morar. “É uma arquitectura sem limites”, diz Paul Ghirardani, director de arte da série, que fala nesta quarta-feira no CCB.

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Paul Ghirardani, fotografado esta semana em Lisboa nUNO fERREIRA sANTOS
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O designer fala esta quarta-feira às 19h no CCB nUNO fERREIRA sANTOS

Um dragão de muitas cabeças espreita por baixo do casaco. É um pouco como a arquitectura, esta T-shirt de Paul Ghirardani, porque ela é mais do que o que se constrói, o que se projecta para um uso pragmático. É um bicho de várias cabeças. Também é o que se sonha, o que se fantasia. O britânico de T-shirt é director de arte de A Guerra dos Tronos e está nesta quarta-feira em Lisboa para falar de arquitectura ficcional e do seu trabalho num dos maiores produtos de cultura popular da actualidade.

O Centro Cultural de Belém (CCB) encher-se-á de cidades inexistentes, salões imaginados e um mundo em que os segredos se protegem com a vida. “Jurei segredo à Patrulha da Noite. O meu contrato está escrito a sangue e os meus pais HBO ficariam muito chateados”, se respondesse às perguntas do PÚBLICO sobre os cenários construídos para a sétima e penúltima temporada. Além do secretismo, parte do folclore de A Guerra dos Tronos, série literária de George R.R. Martin adaptada à televisão (a HBO) por D.B. Weiss e David Benioff, são os seus alicerces na realidade, dos paralelos com a Idade Média europeia aos locais de filmagem que usam a arquitectura de Dubrovnik (Croácia), de Girona (Espanha) ou de Down (Irlanda).

Ghirardani tem uma T-shirt especial da série. Enverga os dragões Targaryen, que os fãs conhecem, mas também os dizeres da equipa de duplos. É um espectador profissional com acesso aos bastidores para quem “todas as temporadas se fundem numa só”. “Às vezes nem vejo a história”, diz, de tão focado nos ambientes. Tem depois de rever no sofá os episódios, combater as lágrimas em cenas-choque, espantar-se com o que criou. Desenha arquitectura efémera e imaginária desde 1998, quando começou a trabalhar em cinema (Ana e o Rei, As Paixões de Júlia) e televisão, o que lhe deu cinco Emmy, três dos quais pela série dos dragões e das lutas intestinas pelo poder. “Não sou arquitecto, mas estou completamente apaixonado pela arquitectura.”

As conferências Distância Crítica, intercalares das edições da Trienal de Arquitectura de Lisboa que discutem e tentam ampliar a forma como vemos a disciplina, acolhem assim um director de arte licenciado em Design Tridimensional na Kingston School of Arts que quer explicar o que faz. “Tem de funcionar no mundo real, não pode ser magia”, diz sobre como os princípios da arquitectura, mas também das outras disciplinas que convoca para o seu trabalho, continuam a aplicar-se mesmo numa paisagem imaginária.

A arquitectura ficcional é brincar com a paisagem urbana (módulos para nómadas), com a política (uma Casa Branca fálica), mas também criar, entre muitas outras coisas, uma casa para uma história morar. “É uma arquitectura sem limites. Podemos desenhar sem nos cingirmos a um único período, a um estilo. Podemos deitar fora as regras. O mundo e a história da arquitectura estão ao nosso dispor”, admite. Na série “somos bastante desavergonhados no que pilhamos e usamos.”

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Braavos

Mas por mais que se regozije com essa liberdade, é o primeiro a falar de fronteiras. O mais importante não é tanto expandir a imaginação, responde ao PÚBLICO, mas ser plausível. O guião pede certas coisas da cena, que uma sala seja algo num contexto”. O guião é o programa, a partir do qual essa sala “pode ser tudo o que quisermos”, desde que se respeite a “identidade” da série, dos seus muitos mundos, reinos e códigos. O Sul, vermelho, cálido e orientalista; o Norte, frio, cerebral e militarizado. “Criar um livro de regras para nós mesmos”, no fundo, resume, numa sala projectada pelo atelier Aires Mateus num hotel no Campo de Santa Clara em vésperas da conferência.

O seu case study, o que vem mostrar ao público no CCB (os bilhetes custam cinco euros, o horário é 19h), é também um estudo de caso do chamado “worldbuilding” narrativo, da criação de um mundo imaginário. A Guerra dos Tronos é uma fantasia preciosamente detalhada em livros, atlas e fãs e “um enorme empreendimento”, diz, não conseguindo resistir à imagem do sector da construção. Há imagens mentais com décadas de edifícios, cenários e atmosferas, “muita gente a olhar para mim a questionar por que fiz as coisas de certa maneira”. O trabalho deste arquitecto ficcional e da sua equipa, a par dos designers da produção e dos escritores, é a sua visão, declara. “Isto somos nós a pegar o boi pelos cornos.”

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O Banco de Ferro na série

Vai beber às imagens da National Geographic — “um recurso espantoso”—, à pintura — “as paletas de cores são fenomenais” — e à arquitectura. O cruzamento livre, mas com sentido, de várias disciplinas é,  para Ghirardani, “a base da arquitectura imaginária ou arquitectura de fantasia”. Dentro de cinco semanas começa a trabalhar na última temporada da série transmitida em Portugal pelo SyFy. O seu cenário favorito? A rica cidade livre de Braavos, e a sua variedade arquitectónica. “O brutalismo do Banco de Ferro, o intrincado templo da Casa do Preto e Branco... Fascina-me. Acabamos por moldar esses cenários ao que gostamos.”

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Casa do Preto e Branco
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