Inspecção de Finanças demorou mais de um ano a divulgar auditorias ao fisco

IGF só revelou este ano as conclusões de dez auditorias aprovadas em 2015. Organismo liderado por Vítor Braz alega que precisou de tempo para elaborar sínteses que só têm uma página.

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A IGF, serviço com autonomia administrativa do Ministério das Finanças, está a conduzir o inquérito às falhas no controlo das transferências para offshores Nuno Ferreira Santos

A Inspecção-geral de Finanças (IGF), com poderes para assegurar o controlo da administração financeira do Estado e dos serviços fiscais, demorou mais de um ano a dar conhecimento público dos resultados de uma série de auditorias realizadas à administração tributária.

A IGF é um serviço com autonomia administrativa do Ministério das Finanças, a mesma entidade que está a conduzir o inquérito às falhas no controlo das transferências para offshores. Só este ano é que a IGF publicou no seu site os curtos resumos das conclusões e das recomendações enviadas ao fisco relativamente a dez auditorias já concluídas em 2015. Neste lote estão relatórios centrados na actuação do fisco em matérias relacionadas, por exemplo, com o sistema de gestão de fluxos financeiros, a fiscalização de grandes devedores, o desempenho de serviços de Finanças, o controlo das divergências de IRS e do Pagamento Especial por Conta (PEC).

Embora os relatórios em causa já tenham sido homologados pelo então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, em Junho, Julho e Setembro de 2015, a publicação da síntese dos resultados foi sendo protelada pela IGF e a divulgação desses resumos só aconteceu em 2017.

Os dez casos identificados pelo PÚBLICO relativamente às auditorias ao fisco não são os únicos. É a própria IGF que reconhece ter demorado tempo a dar a conhecer os resultados de mais de 100 auditorias, muitas outras além das que dizem respeito à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Mas as explicações que apresenta para justificar a demora são contraditórias com a própria política de publicação de relatórios do organismo.

Em respostas a questões colocadas pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças, que tutela a IGF, começa por referir que a dilação entre a data de aprovação do relatório e a sua divulgação se deveu “à necessidade de efectuar o tratamento e a síntese de todos os resultados aprovados (mais de uma centena) e à alteração do processo instituído, por forma a corrigir insuficiências identificadas nessa comunicação e a assegurar a adequada cadência dessas publicações”.

A IGF é liderada desde Janeiro de 2015 pelo inspector-geral Vítor Braz. O sistema informático que suporta a divulgação das sínteses e o site do organismo foram “ajustados” em 2016 e, alega o ministério, só no ano seguinte é que ficaram reunidas as condições para “assegurar a regularidade da publicação dos resultados”. No caso específico das auditorias do fisco, o ministério alega ainda que passou a haver uma “maior exigência na adaptação desses resultados, muito técnicos, e a necessidade de simplificar a terminologia utilizada, bem como as maiores exigências de confidencialidade suscitadas pela matéria fiscal”. E como “o processo de adaptação das respectivas sínteses é mais moroso”, justifica, “foi o último a ser concluído”.

Os resumos em relação aos quais a IGF alega ter precisado de tempo para estarem em condições de serem publicados são documentos que se resumem a uma página para cada auditoria. São breves sínteses que rondam as 350 palavras. Além de as conclusões serem de quatro a cinco parágrafos, cada um com uma frase apenas, e o mesmo acontecer nas curtas recomendações incluídas nessa mesma página, essa súmula resulta de dados que já estão sistematizados na parte final dos relatórios (com conclusões e recomendações). Para concluir este trabalho em relação a “todos os resultados aprovados” a IGF diz ter precisado de tempo.

O ministério refere ter havido uma “alteração do processo instituído” e liga esse facto à alteração do site e justifica a demora com o argumento de que os resultados só foram “sucessivamente publicados após a revisão e simplificação de terminologia técnica”.

A questão é que as regras criadas em 2012 relativamente à "Política de Publicação de relatórios da IGF" prevêem que os resumos sejam previamente homologados no Ministério das Finanças. Ora, as sínteses publicadas com atraso em 2017 dizem respeito a relatórios que já estavam aprovados. Foram homologados pelo respectivo membro do Governo em Junho, Julho e Setembro de 2015. Embora na resposta ao PÚBLICO se refira que houve uma “alteração do processo instituído” para “corrigir insuficiências” na comunicação dos resultados, não se alega que a IGF mudou a política de publicação.

O acesso à informação deste organismo é referido no Portal do Cidadão como uma forma de os portugueses poderem conhecer os resultados alcançados pela IGF no “controlo estratégico e avaliação da Administração Financeira do Estado”. Mas a demora em tornar pública essa informação junto dos cidadãos tem implicações em relação ao conhecimento e à leitura dos factos auditados, pela distância temporal relativamente ao período em que eles ocorreram.

Nos dez casos concretos das auditorias ao fisco, o horizonte temporal que os separa não é entre os anos de 2017 e 2015 (a data em que a auditoria realizada foi aprovada), mas entre 2017 e os factos tributários que aconteceram anos antes. Por exemplo, numa dessas auditorias, só agora se fica a saber qual o diagnóstico da IGF relativamente ao controlo feito entre 2009 e 2013 aos grandes contribuintes acompanhados pela Direcção de Finanças de Lisboa, a principal dentro da máquina tributária.

Três auditorias só conhecidas em 2017

Falhas no controlo de grandes empresas

Ao avaliar o sistema de controlo dos contribuintes estratégicos (empresas com um volume de negócios superior a 20 milhões) acompanhados pela Direcção de Finanças de Lisboa, a IGF concluiu os relatórios de actividades não reportavam “as acções e os resultados específicos” desse acompanhamento. Em causa está o período de 2009 a 2013. Foram detectadas “insuficiências” no documento de acompanhamento permanente destes contribuintes”, desde logo por não permitir “conhecer o perfil integral de cada contribuinte de forma a graduar o respectivo nível de risco”. A auditoria estava aprovada desde Julho de 2015.

Deficiências na gestão dos fluxos financeiros

A IGF olhou em 2015 o Sistema de Gestão de Fluxos Financeiros da AT para avaliar o “nível de integração” entre os vários impostos e as receitas cobradas. A auditoria aprovada em Setembro abrangeu os anos de 2012 e 2013, já incidindo assim no primeiro período de agravamento da carga fiscal do período da troika. O sistema, concluiu a IGF, “passou a abranger todas as receitas fiscais” mas “apresenta fragilidades, designadamente a reduzida abrangência da Declaração Mensal de Remunerações (DMR), a qual apenas contempla rendimentos da categoria A e não origina o respectivo documento único de cobrança (DUC)”. As deficiências diminuem a “eficácia do controlo e cobrança das receitas ficais” e provam atrasos na cobrança coerciva. Uma das recomendações foi estender a declaração mensal à generalidade dos rendimentos/retenções na fonte, passando também a automatizar o DUC “para os valores a pagar e/ou dos procedimentos de cobrança coerciva dos valores retidos e não entregues”.

Fiscalização das divergências de IRS

Numa outra auditoria, homologada em Junho do mesmo ano, a IGF recomendava ao fisco que aperfeiçoasse “alguns dos indicadores de risco” e introduzisse novos indicadores que identifiquem “potenciais situações de divergência das declarações de IRS”. As correcções aos valores declarados já aumentaram de 42,85% para 52,6% de 2010 para 2012, o que, segundo a IGF, já se deveu a um aperfeiçoamento dos controlos. No entanto, os auditores ainda viam necessidade nessa altura de alguns indicadores serem melhorados, “de modo a dispensar os controlos em situações de menor risco e a reforçá-los em outros domínios”.

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