Por um Festival Lusófono da Canção

Salvador Sobral cantou em português. E isso, desde logo, fez e fará toda a diferença.

Pode-se considerar o evento de somenos importância e, decerto, não será da maior importância, mas também não nos parece, de todo, desprezível. Falamos da recente vitória de Salvador Sobral no Festival Eurovisão da Canção.

Méritos musicais à parte, o que há desde logo a destacar é que Salvador Sobral cantou em português — uma letra, de resto, particularmente bem conseguida —, contra quase todos os outros concorrentes, que optaram por cantar num inglês pouco mais do que básico. Até a cantora francesa — sendo que os franceses costumam ser muito ciosos da sua língua — não conseguiu resistir a cantar em inglês o refrão.

Porque o fundo afecta a forma, a maior parte das outras canções parecia obedecer a um único padrão — alegadamente festivaleiro, o mesmo padrão que supostamente exigia que se cantasse em inglês porque, claro está, “de outro modo ninguém nos entenderia”. Salvador Sobral cantou em português e, desde logo por isso, também a “forma” da sua canção era diferente em relação às demais.

Méritos interpretativos à parte, ficou claro que Salvador Sobral estava a cantar na sua língua e não numa outra língua de todos, supostamente global. E isso, desde logo, fez e fará toda a diferença. Estamos seguros de que já no próximo ano isso se irá reflectir, acabando a moda fútil de todos cantarem numa mesma língua. Numa mesma língua de todos, perde-se o sentido da subtileza e da profundidade — só se conseguindo exprimir o óbvio e o mais superficial. A globalização linguística do inglês é decerto útil em termos de comunicação, mas não para muito mais do que isso.

Mas se, em Portugal, houver quem considere que deveria haver um festival em que todos cantem numa mesma língua, então que se organize um verdadeiro Festival Lusófono da Canção, com a mesma projecção mediática do Festival Eurovisão. Que belo seria ouvirmos, num mesmo evento, canções nas diversas variantes da nossa língua: daquela que se fala na América do Sul, no Brasil, até às dos diversos países africanos, sem esquecer aquela que se fala em Timor-Leste e noutras paragens, desde logo na Galiza.

Tememos, porém, que esta seja mais uma daquelas ideias em que as instituições que a poderiam concretizar não o façam. Afinal, pensarão elas, ainda que não o digam, o Festival Eurovisão da Canção é algo com glamour, enquanto um festival lusófono seria algo de “pobres e pretos”. Se houvesse um real investimento — e nem seria preciso um grande investimento, quando comparado, por exemplo, com um Campeonato Lusófono de Futebol ou uns Jogos Olímpicos Lusófonos —, verificar-se-ia, decerto, que não seria menor o seu poder de atracção. Mediatamente, podemos garanti-lo, há público para essas iniciativas. Assim haja vontade institucional para as concretizar.

 

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