Hoje vou a jogo, e não é na Internet!

Prefiro um mau speaker no estádio a ter de regular o som no speaker do computador portátil.

Nasci em 1979.

Com pouco mais de 12, 13 anos o meu pai comprou-me um Spectrum! “É para a escola”, disse-lhe eu. Mentira. Para jogar! Jogar sozinho, porque o online estava longe. Muito longe.

Não havia Internet. Não estávamos ligados ao mundo. Não estávamos ligados a ninguém.

O mais próximo que eu estava das multidões, o mais próximo que eu estava do jogo, era nos saudosos domingos à tarde quando o meu pai me levava ao Benfica. E que tardes!

Eu faço parte, muito provavelmente, de um restrito grupo que nasceu e viveu parte da sua vida sem Internet. Sem redes. Sem estar “em rede”.

Muito se especula sobre o mundo online. Sobre multidões que nem sabemos que elas lá estão. A ver, a observar, muitas vezes a vibrar.

Estamos perdidos num mundo que está todo ligado, “linkado”, conectado.

No meio desta multidão, estamos nós! Nascidos antes de 1985 a fazer a evangelização do before the Internet para o after the Internet.

Jogava-se na rua, viam-se os jogos no estádio, assistia-se às telenovelas na televisão.

O mundo depois da Internet veio alterar todos estes paradigmas. Joga-se online, vê-se jogar online, assiste-se ao Netflix... online.

Um recente estudo publicado sobre o chamado GVC – “Gaming Video Content” – revela, de forma impressionante, a dimensão da audiência e das receitas que as principais plataformas online geram com a transmissão de gente a jogar. Sim. Gente a ver gente a jogar... online! E são só 665 milhões.

Este relatório, da SuperData, diz-nos ainda que no campo das receitas a dimensão deste tipo de plataformas, atinge os 4600 milhões de dólares em receitas de publicidade e consumo directo. Comparando com as receitas geradas pela Liga espanhola de futebol estas são (apenas) 3200 milhões.

O maior transmissor é sem qualquer dúvida o YouTube, mas a maior surpresa é saber que o número de pessoas que vê outras jogar online é bastante superior às audiências dos canais HBO e Netflix.

E eu, nós, rapaziada nascida antes de 1985, vai caminhando calmamente pelo meio desta regeneração cada vez mais tecnológica.

Também vejo Netflix, mas não assisto aos “gamers” a jogar no YouTube.

Também vou a jogo, mas não online.

Eu cá prefiro um bom jogo ao vivo, uma multidão ensurdecedora.

Prefiro um mau speaker no estádio a ter de regular o som no speaker do computador portátil.

Mas os novos não. Os novos, os que nasceram depois de 1985, têm o mundo dentro de um ecrã. Será bom? Será mau? Pouco importa. É o que é.

E é para esses que trabalhamos, é com esses que lidamos, é com esses que assistimos à chegada do futuro de forma mais rápida, caótica, mas talvez mais promissora.

É para esses que criamos, é por causa desses que temos de alterar a forma como ensinamos.

Os novos aprendem online e vêm jogar online.

Eu vejo jogar ao vivo.

E é para lá que eu vou!

Hoje vou a jogo; no meio de uma multidão de 65 mil. E não. Não é na Internet!

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