Revisitar as origens da Colecção de Serralves

Num espaço reconfigurado pelos arquitectos Roberto Cremascoli e Edison Okumura, a exposição Colecção de Serralves: 1960-1980 mostra algumas das peças mais icónicas das primeiras décadas representadas no acervo do museu.

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Nelson Garrido
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“Abrimos esta série de apresentações da Colecção de Serralves com um olhar sobre os anos 60 e 70 porque achamos que fazia sentido lembrar a todos como a Colecção começou”, disse ao PÚBLICO a directora do Museu de Arte Contemporânea, Suzanne Cotter, sublinhando ainda o modo como a exposição Colecção de Serralves: 1960-1980, inaugurada esta semana, procura situar a criação portuguesa dessas décadas fundadoras da arte contemporânea no contexto da arte internacional do período, cruzando-a ao mesmo tempo com uma breve escolha de obras mais recentes.

Dar uma nova visibilidade à Colecção, mostrando-a em Serralves e promovendo exposições por todo o país, tem sido uma das prioridades da direcção de Cotter, complementada com uma aposta na investigação e divulgação do acervo através da edição de livros centrados em determinados períodos ou temas. A edição mais recente aborda a própria história da Colecção e o próximo volume, a publicar ainda este ano, tratará do conjunto de obras do arquitecto Álvaro Siza nela presentes.

O que o ciclo de exposições agora iniciado traz de novo é o compromisso de que o museu passará a apresentar em permanência a sua Colecção – entendida como abarcando também as muitas peças em depósito –, mostrada sob diferentes perspectivas e ocupando sucessivos espaços do edifício projectado por Álvaro Siza. Um dos objectivos, já claramente assumido nesta exposição, é o de sublinhar o que esta colecção tem de único. “As pessoas poderão ver aqui coisas similares às que veriam em Nova Iorque ou em Londres, mas também verão peças que nunca poderiam ver nesses lugares”, diz Suzanne Cotter. “Estamos em Portugal e a pergunta a fazer é: 'O que podemos aprender neste museu que não podemos aprender na Tate ou noutro local qualquer?'”.

Comissariada pela própria Cotter com os curadores João Ribas, director adjunto, e Ricardo Nicolau, Colecção de Serralves: 1960-1980 teve a colaboração dos arquitectos Roberto Cremascoli e Edison Okumura, responsáveis pelo design da exposição, que cobriram as paredes desenhadas por Siza com diferentes cores, que funcionam como “marcadores” para os sucessivos núcleos temáticos da mostra. A predominância de verdes e castanhos sugere ainda que se quis trazer para dentro do museu a paisagem que o envolve.

Começando e terminando num filme de 16mm (transferido para vídeo) da coreógrafa e cineasta Yvonne Rainer – Trio Film, de 1968 –, o circuito expositivo abre com uma secção que pretende ilustrar a preocupação da arte dos anos 60 e 70 com os materiais e processos. Obras de artistas portugueses como Pires Vieira ou Vítor Pomar dialogam com uma escultura de Jannis Kounellis, figura-chave da arte povera, uma pintura de Giorgio Griffa ou um vídeo de Antoni Muntadas, entre várias outras obras.

Noutro espaço, pintura figurativa portuguesa de dimensão narrativa, como a de Eduardo Batarda ou Paula Rego, convive com obras de Dieter Roth dos anos 60 e 70, mas também com pinturas de Álvaro Lapa e José Escada, ou mesmo com uma obra muito recente da ganesa Lynette Yiadom-Boakye, um quadro de grandes dimensões figurando um homem negro, adquirido por Serralves em 2016. “Uma colecção tem de ser uma coisa viva”, nota Cotter, para quem exposições como esta “devem olhar para o passado na perspectiva do presente”.

Dialogando com estes exemplos de figurativismo, mostram-se peças de Artur Rosa ou Eduardo Nery, de um abstraccionismo próximo da op-art, e também de Fernando Lanhas, Fernando Calhau, Ângelo de Sousa ou Gerhard Richter, e ainda uma peça de António Sena realizada com spray industrial e tinta acrílica sobre tela que prenuncia um interesse pela linguagem que terá, nesta exposição, o seu espaço próprio, com obras de artistas como John Baldassari, Edward Ruscha, Etel Adna ou Lourdes Castro, entre muitos outros, e ainda dos principais nomes do concretismo português, como Ana Hatherly, Salette Tavares ou E. M. de Melo e Castro.  

Neste mesmo núcleo, se o visitante olhar para uma varanda exterior à qual se acede por uma porta que, diz a lenda, Siza incluiu no projecto em benefício dos fumadores compulsivos, pode ver-se uma escultura em ferro pintado de Zulmiro de Carvalho, que o artista emprestou propositadamente para este efeito, porque as suas várias peças presentes na colecção do museu andam espalhadas pelas mostras que Serralves está a promover fora de portas.

A par de outras secções temáticas, esta escolha dedica um núcleo particularmente forte à emergência do corpo e da performance na arte contemporânea, com importantes peças de Bruce Nauman, Robert Morris, Dan Graham, David Goldblatt, Merce Cunningham ou ainda Joan Jonas, representada com Songdelay, uma performance ao ar livre de 1973, na qual curiosamente participou o artista e arquitecto Gordon Matta-Clark, a quem Serralves dedica neste momento uma grande exposição.

Quem viu, em 1999, a exposição-manifesto que inaugurou o Museu de Serralves, Circa 1968, reencontrará aqui várias peças que a integraram, confirmando que, nas quase duas décadas que decorreram desde então, as criações que estes artistas propuseram nos anos 60 e 70 mantêm intacta a sua relevância e influência.

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