Paola Paredes entrou numa clínica que diz curar a homossexualidade

A fotógrafa equatoriana entrou com um gravador preso no soutien. É dito aos pacientes destas clínicas que estão doentes, que "vivem em pecado", que têm um desvio comportamental que necessita de ser corrigido

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Paola Paredes

Foi há cerca de quatro anos que a fotógrafa equatoriana Paola Paredes ouviu pela primeira vez falar de clínicas que alegavam curar a homossexualidade no Equador. Pensou de imediato que podia ser ela uma das pacientes.

À medida que foi investigando, Paola descobriu cerca de 200 clínicas clandestinas que operam "nas brechas que existem entre leis progressistas e crenças conservadoras". O secretismo que envolve a existência destas instituições e práticas tornou impossível uma abordagem documental ao tema; em vez disso, Paola entrevistou várias vítimas deste tipo de terapia e visitou uma das clínicas, acompanhada dos seus pais, que a apoiaram na realização do projecto.

Um gravador no soutien

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"Quando entrei na clínica levava um gravador de audio preso no meu soutien", descreve a fotógrafa ao P3. "Sinceramente, estava aterrorizada. Tremi o tempo todo. Uma mulher que abriu a porta e explicou como a clínica funciona pareceu muito simpática. Vendeu o local como se fosse a Disneylândia. Através das entrevistas com as vítimas soube que ela era o diabo. Foi surreal vê-la em carne e osso. Ao percorrer a clínica, fui observando as cores das paredes, as texturas. Foi assim que me inspirei para a busca dos locais ideais para fotografar este projecto. De fora, o local parecia desgastado; as paredes do edifício estavam descascadas, a mobília exterior era velha e vulgar. Fiquei aliviada quando percebi que o interior não era tão mau quanto seria de esperar. Tinha um ambiente estéril, frio, semelhante ao de um hospital. Por toda a clínica havia símbolos religiosos espalhados. Por todo o lado. Posters com a figura de Jesus, da Virgem Maria, estátuas do menino Jesus. A clínica tinha a sua própria capela, também. Uma das coisas que mais me chocou foi ver as jovens mulheres que lá estavam. As minhas entrevistadas não tinham exagerado na descrição de como era obrigadas a usar maquilhagem. Era realmente forte: lábios vermelhos e brilhantes, faces rosadas, azul sobre as pálpebras. Quando senti ter visto o suficiente, coloquei as últimas perguntas e, educadamente, abandonei o local. Fiquei tão aliviada! Foi então que percebi que estava a suar copiosamente."

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Em 2015, Paola Paredes passou seis meses a entrevistar uma mulher que foi "paciente" de uma dessas clínicas, onde os pais a internaram, contra a sua vontade, por vários meses. Atavés dela, conheceu mais pessoas que tinham vivido nas clínicas "onde diagnósticos e tratamentos eram realizados em nome da Bíblia".

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É dito aos pacientes destas clínicas que estão doentes, que "vivem em pecado", que têm um desvio comportamental que necessita de ser corrigido. "O sofrimento dá lugar à melancolia, mas é o desespero o protagonista das imagens. Não há nada para curar." As imagens produzidas por Paola são ficcionais, mas "permitem-nos ver aquilo que nunca deveria ser visto". "A perversão de comprimidos e livros de oração; o regime de feminilidade forçada através do uso excessivo de maquilhagem, a utilização de mini-saias e salto alto; tortura com recurso a cordas e a luvas de borracha; a ameaça de violação correctiva."

O momento em que contou à família

Paola tem uma ligação afectiva pelo projecto "Until You Change". "Antes de contar aos meus pais que sou homossexual, receava que me enviassem para uma destas clínicas ou que me dissessem que eu estava errada, que a minha identidade era repulsiva", disse ao P3, referindo o projecto "Unveilled", em que documentou o momento em que se revelou à sua família. "Tive medo disso durante toda a minha adolescência. Conseguir reconciliar-me com a minha identidade num país tão religioso quanto o Equador foi uma viagem muito dolorosa. Quando soube da existência destas clínicas era difícil sequer imaginar aquilo por que tantas pessoas estavam a passar. Se o meu processo foi difícil, era muito difícil imaginar o deles. Foi nesse momento que nasceu a minha ligação com esta história."

No Equador, 80% da população é católica e a igreja, em geral, tem uma visão bastante rígida no que toca a orientação sexual do seu "rebanho". Até 1997, relacionamentos amorosos e sexuais entre pessoas do mesmo eram consideradas ilegais e punidas com um período de quatro a oito anos de prisão. "Em 2011, apareceram vários centros que prometiam uma 'cura' para a homossexualidade", explica Paola no seu website. "Muitas famílias ainda acreditam que a homossexualidade é uma adicção, que se trata de um distúrbio comportamental que pode ser 'curado' com recurso a disciplina."

Violação dos direitos humanos

Ter em funcionamento uma clínica de promete "tratar" a homossexualidade não é legal, no Equador, motivo por que a maioria dos centros operam sob a cobertura de "Centros de Reabilitação de Toxicodependência". "Não são sequer publicitados", explicou Paola ao P3. "Estas clínicas operam legalmente como clínicas de reabilitação de toxicodependentes e alcoólicos, mas na realidade, eles tratam pessoas com todos os tipo de 'adição'. Uma delas é a homossexualidade. A maioria destas clínicas existe nas vilas e aldeias do Equador. Um dos motivos por que os centros se mantêm em funcionamento prende-se com a falta de vigilância por parte das autoridades estatais, que não são rígidas no controlo destas instituições; outro dos motivos é o facto de o Equador ser um país onde a corrupção é o sistema vigente."

Paola considera imperativo falar-se sobre o assunto. "Não se trata apenas de um crime infligido a homossexuais e transexuais, trata-se da violação de direitos humanos", explica. "No início do projecto era um pouco ingénua e queria mesmo que todas estas clínicas fossem encerradas. Após trabalhar neste projecto durante um ano, tendo em conta tudo o que aprendi através de pesquisa e do contacto com os pacientes', percebi ue isso não é possível. Espero, por isso, que o projecto sirva para aumentar a consciencialização sobre esta realidade e para lançar o debate sobre esta matéria."

O trabalho de Paola pode ser acompanhado através da sua conta de Instagram.

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