“Não há omeletes sem ovos”: o emprego científico em Portugal

Para o reitorado, a imposição do Decreto-Lei 57/2016 constitui “uma gravíssima restrição à autonomia das instituições”. Ao incluir jovens profissionais no sistema universitário, o decreto freia a lógica perversa que tem estreitado as portas do emprego académico e envelhecido os recursos humanos das instituições. Não há ciência sem cientistas

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O debate sobre as políticas de promoção do emprego científico em Portugal tem-se aprofundado desde a publicação no último 29 de Agosto do Decreto-Lei 57/2016. Incógnitas suscitadas pela nova legislação (que apontavam para uma eventual perda remuneratória dos investigadores ao passarem de bolseiros a contratados) fizeram com que a discussão parlamentar sobre a matéria se prolongasse até à recente aprovação das propostas que reivindicavam as garantias salariais e a estabilidade do contrato por seis anos.

Entre as reacções mais contundentes à implementação do decreto estiveram os comentários do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, que se pronuncia globalmente contra as medidas de inserção laboral adoptadas pelo decreto-lei. Para os reitores, os contratos por seis anos seriam inverosímeis, já que uma investigação não duraria mais que “um ano ou dois”. Só que os projectos prêt à porter reclamados pelos reitores não correspondem à prática científica levada a cabo pelos bolseiros, cujos planos de trabalho já se estendem por até seis anos. Quem é capaz de desenvolver uma edição crítica, um novo medicamento, uma nova tecnologia em “um ano ou dois”?

Outra questão é que, findos os seis anos, as instituições ficam obrigadas à abertura de concursos que possibilitem aos cientistas o ingresso definitivo na carreira. Aqui, argumenta o reitorado que os concursos para investigação tendem a ser menos rigorosos que os para docência, que teriam um alcance “muitíssimo mais lato”. Mentira: o documento orientador para a redacção dos editais, divulgado há meses pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), impõe que os parâmetros para os concursos científicos tenham em conta não só os projectos mas igualmente a trajectória curricular dos que se candidatam.

Embora nalgum momento se refira aos investigadores como os “obreiros do progresso da ciência em Portugal” (“investigadores”, se calhar, soava pejorativo), o discurso do reitor de Coimbra no último Dia da Universidade apoiava-se na sinonímia entre “cientista” e “despesa”. E, não, aqui não há sinónimos. O regime de exclusividade ao qual estamos obrigados pelo regulamento da FCT traduz-se numa produção científica sujeita a indicadores de avaliação alinhados à forte competitividade entre as instituições. Receberá mais recursos a universidade que proporcione, aos seus cientistas, melhores condições de exercício profissional, daí a necessidade de implementação do Decreto-Lei 57/2016.

O argumento económico não se sustenta porque o que está em causa é de índole ética. Para o reitorado, a imposição do decreto constitui “uma gravíssima restrição à autonomia das instituições”. Ao incluir jovens profissionais no sistema universitário, o decreto freia a lógica perversa que tem estreitado as portas do emprego académico e envelhecido os recursos humanos das instituições. Mas, como recorda o magnífico discurso, “não há omeletes sem ovos”. Na nossa paráfrase, não há ciência sem cientistas.

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