“Espero que a Igreja tenha a coragem de aceitar o rumo e os desafios” do Papa

A Igreja Católica precisa de ser mais ousada na procura de novos modelos de funcionamento das suas paróquias. A alternativa, avisa José Frazão, é ficar reduzida a um grupo “que se auto-alimenta, mas que não cumpre a sua missão”.

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Adriano Miranda

Reconhece neste Papa a marca jesuíta? Sabemos que há uma norma que diz que em princípio os jesuítas não devem aceitar este tipo de lugares na Igreja mas, olhando para aquilo que tem sido este pontificado, percebe que se justificava que ele aceitasse?
Mais do que uma norma, é um voto que os professos da Companhia de Jesus fazem de não aceitar, na linguagem de Santo Inácio, dignidades eclesiásticas, mas, enfim, o contexto era outro, embora continuemos a fazer esse voto. Não olho para o Papa Francisco como o orgulho de ser jesuíta, mas percebemos que ele é modelado pelos exercícios espirituais e pelo apelo ao discernimento. E o discernimento é essa disposição interior para uma grande liberdade, para ler e para estar em contacto com a realidade e para perceber como é que o Evangelho se realiza nesta realidade. Isso é uma operação extraordinária e complexa, isto é, se negamos o que existe, procurar a vontade de Deus para o que existe é uma operação pouco honesta.

A Igreja vai sair diferente?
Espero que tenha a coragem de aceitar os desafios e o rumo que o Papa Francisco lhe vai pedindo. Isto não significa que não haja compreensões diferentes, mas estas compreensões diferentes, mais uma vez, não me parece que firam a unidade, porque nunca ninguém esgota nada a partir de um ponto de vista.

Mas é inevitável pôr um rótulo de progressista ao Papa Francisco até por oposição ao rótulo de conservador do Papa Ratzinger.
Sim, mas creio que são etiquetas que valem pouco porque o Papa, por um lado, é conservador, porque tem raízes muito estáveis na terra e, ao mesmo tempo, estando aberto ao espírito, tem que estar a olhar para a promessa do cristianismo a realizar hoje.

Há o risco, vindo um novo Papa com uma marca diferente da de Francisco, de um retrocesso nestas conquistas que Francisco tem procurado fazer?
Poderia acontecer, não vejo as coisas assim. Quem esperaria um Papa como este depois de Bento XVI?

Tem alguma explicação para o facto de o mesmo colégio, num tão curto espaço de tempo, ter escolhido dois Papas tão diferentes entre si?
Tenho. A leitura da realidade. É algo surpreendente que uma estratégia simplesmente humana não consegue prever. Os cardeais seguramente tentaram, em cada momento, ler a realidade e perceber como é que se corresponde melhor à missão da Igreja. A explicação é essa: acreditar que a Igreja não é uma unidade estática.

Não olha para este momento da Igreja como um momento de ruptura, de sobressalto?
Este momento é muito particular: se é de ruptura ou não, não saberei julgar.

É mais difícil a missão da Igreja neste momento?
Não sei se é mais difícil, mas é verdade que a Igreja diante de um mundo tão plural, com riscos tão grandes a nível mundial, com tantos desafios e, ao mesmo tempo, com tantas possibilidades, a sua missão é mais exigente. Daí que o Papa diga que precisa de estar em discernimento contínuo, precisa de estar a alimentar processos e não a ocupar espaço, no sentido de uma estrutura fechada sobre si mesma ocupando um espaço, quando toda a realidade é extremamente dinâmica. E, portanto, a exigência da Igreja é poder acompanhar esse dinamismo sem entrar na vertigem da mudança por mudança, mas poder assinalar este tempo, que é tão plural, tão vertiginoso e tão complexo, com a graça do Evangelho. E, nesse sentido, a Igreja precisa, por exemplo na realidade paroquial, de encontrar outros modelos para se edificar, para transformar e para assinalar a vida das pessoas. Caso contrário, pode continuar a ter estruturas, modos de proceder e de edificação, que já não correspondem a nada.

E que perdem capacidade de mobilização.
De mobilização, mas, mais do que isso, de incidir na vida das pessoas.

De que forma ao nível paroquial a Igreja se pode lavar desse anacronismo na forma de estar junto das pessoas?
Não sei como vai ser, com toda a honestidade, agora sinto que esse é um campo em que a Igreja precisaria de se empenhar um pouco mais na procura de modelos diferentes para poder corresponder à realidade. Só que, sendo um exercício tão exigente e tão difícil, talvez andemos a adiar um bocadinho a questão. E, portanto, cada padre vai continuando a ter cada vez mais paróquias que se reproduzem sempre com o mesmo sistema, até um momento em que não haverá padres ou os que haverá estarão rebentados. Creio que esse é o campo, entre outros, onde me parece que a Igreja precisa de fazer um caminho consolidado e com alguma ousadia, precisamente para perceber como é que a Igreja pode assinalar o território, a vida das pessoas, as circunstâncias e todas as periferias que se movimentam com o Evangelho. Caso contrário, fica o Evangelho para um grupo que se auto-celebra, que se auto-alimenta, mas que não cumpre a sua missão.

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