Os (novíssimos) poetas de Adriana

Esta quinta-feira, no São Luiz, é lançada uma antologia da nova poesia brasileira. Chama-se É Agora Como Nunca e a selecção é de Adriana Calcanhotto.

Dela, estamos acostumados a uma certa poesia. Aquela que a sua música tece com palavras e a que vulgarmente chamamos canções. Porque ela se diz letrista, não poeta, como escreveu no livro Algumas Letras (lançado pela Quasi, em 2013), explicando que as ali seleccionadas tinham sido “esboçadas sempre na guitarra, não no papel” e que “só depois de inauguradas como canção” foi trabalhada “cada uma em seus acabamentos como versos.” Isso não impediu, naturalmente, que a editora, na badana do livro, insistisse em apresentá-la como “uma poeta imperdível.” E depois?

Depois, falamos de Adriana Calcanhotto. Que anda por Coimbra nestes dias, nestes meses, como toda a gente bem sabe, mas que esta quinta-feira ao final da tarde estará em Lisboa, no Jardim de Inverno do Teatro de São Luiz, para apresentar um livro novo, É Agora Como Nunca. Subtitulado Antologia Incompleta da Poesia Contemporânea Brasileira, reúne poemas de 41 autores, dos quais o mais velho nasceu em 1970 e os mais novos em 1990. É curioso este número, porque já num livro anterior, a Antologia Ilustrada da Poesia Brasileira Para Crianças de Qualquer Idade (editada no Brasil pela Casa da Palavra, 2013) Adriana reuniu também poemas de 41 autores, de Adélia Prado a Waly Salomão. Ali podiam ler-se poemas como este (de Cacaso): “O velhinho saiu da janela pra não ser/ fotografado./ Coisa de criança.” Ou este, também vivamente sintético (Mário Quintana): “Entre o olhar suspeitoso da tia/ E o olhar confiante do cão/ O menino inventava a poesia…”

Pois Adriana, que entre os livros em seu nome conta ainda com Saga Lusa (Quasi, 2008), quis organizar esta nova antologia (editada este ano no Brasil pela Companhia das Letras de São Paulo e em Portugal pelas Edições Cotovia) como, escreve ela no prefácio, “um agrupamento de poemas armado por uma leitora de poesia diletante, não acadêmica ou crítica, que decidiu, em vez de levar nas férias de verão mais de quarenta livros de poesia contemporânea brasileira, levar um só.” E são poetas do “agora”, porque, ao escolhê-los, “ novos poetas estão surgindo em catadupas, produzindo e publicando em sites, blogues, revistas electrônicas, recitais, saraus e até mesmo em livros.”

Alguns dos autores seleccionados têm apelidos que já passaram pela nossa memória noutros nomes (Salomão, Leminski, Lins, De Chevalier), mas o que vale é sobretudo a frescura da sua expressão, com Adriana por arauto, a apresentar “a arrumação do livro” como “um delicioso exercício de composição”. E isso é levado à letra, do início ao fim. “Sempre gostei dos livros/ chamados poemas reunidos/ pela ideia de festa ou de quermesse” (Ana Martins Marques). E assim começa. Acabando, antes de chegar às pequenas biografias de todos os autores (como Adriana já fizera na antologia Para Crianças de Qualquer Idade), com estas palavras: “Chega-se, enfim, à última página/ embora deixe claro: não se chega ao fim (…)/ mesmo quando atingirmos o final – mesmo assim não se chegará ao fim.” Também por isso, Adriana diz-nos que este livro pode “ser aberto em qualquer página e lido em qualquer (des)ordem.” Desejando-nos, nele, “bom mergulho”. Para este Verão.

Seguindo-lhe o conselho, aqui vai (Camila Inácio): “Sua boca cheirava a cebola/ mas eu não sentia nada/ constipada/ minhas mãos tremiam ao seu mínimo toque/ mas ela não sentia nada/ apaixonada/ por outra mulher.” Ou (Fabiano Calixto): “(…) um molusco carregando a parede/ como um código// uma mosca decorando/ a paz do prato sujo// continua/ a agonia do futuro// rezando em mim/ como um relógio.” Entre os poemas escolhidos, há três de Gregorio Duvivier (esse mesmo, o da Porta dos Fundos). Um deles reza assim: “no princípio era o verbo/ uma vaga de voz sem dono/ vagando pela via láctea// depois veio o sujeito/ e junto com ele todos/ os erros de concordância.” E já que estamos no verbo, que tal este? (de Thomaz Ramalho): “Depois do acordo ortográfico/ instituir/ o dasacordo fonético/ um decreto/ impedindo/ que todos os sotaques/ se tornem novela das oito/ (…)/ o decreto/ no entanto/ não é escrito/ porque fonético/ (…)/ porque se não quer a língua de aço & vidro/ (…)/ língua nunca produto acabado/ vendida em gramáticas & dicionários/ mas língua depositário/ língua matéria-prima/ até que cada pessoa se torne/ pronúncia/ única.” Obrigado, Adriana, pelo mergulho.

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