A aprendizagem do cinema por André Valentim Almeida

Depois de ter viajado pelo mundo com A Campanha do Creoula, o realizador aveirense mostra no IndieLisboa um filme-ensaio inspirado pelas alterações climáticas, Dia 32.

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André Valentim Almeida quis fazer um filme sobre o fim Nuno Ferreira Santos

André Valentim Almeida confessa-se “aterrorizado”. Estamos na Culturgest, poucas horas antes da estreia, no concurso do IndieLisboa, de Dia 32, a terceira longa-metragem que o realizador aveirense faz em modo one-man-show. Este vai ser o primeiro embate do novo filme com o público, o que não é fácil quando quem o fez se define como “uma pessoa profundamente solitária” que trabalha sozinha numa “cave escura” (“que não é bem uma cave”, ri-se). “Não falo com ninguém sobre isto, e mostrar o filme faz com que seja de repente confrontado com questões em que não tinha pensado, ou que não tinha discutido...”

No caso de Dia 32 (repete neste sábado, 13 de Maio, às 14h15 na Culturgest), André Valentim Almeida transporta um “peso” adicional: é o seu primeiro filme depois de A Campanha do Creoula (2013), candidato pelo Doclisboa ao Prémio DocAlliance, ter vencido o galardão e viajado pelo mundo. “Isso condicionou-me muito. Senti muito as expectativas, a pressão. Pesquisei demais, pensei demais, trabalhei demais...” Mas essa pressão era inevitável para um filme que fala do mundo em mudança e do fim do mundo, e que toma as alterações climáticas como ponto fulcral. André estava em Nova Iorque quando o furacão Sandy arrasou a costa leste americana em Outubro de 2012. “Em Portugal não temos ideia do impacto de uma experiência destas”, explica. “É muito forte. E sempre quis fazer um filme sobre o fim, é uma angústia que transporto muito presente. Às tantas, pergunto no filme se o fim é uma coisa que chega até nós, ou se está em nós adormecido à espera de acordar...”

O tema é mais “denso” e mais “sério” do que nas duas longas anteriores: From New York with Love, que já estivera a concurso no Indie em 2012, era uma crónica pessoal de uma temporada passada em Nova Iorque; A Campanha do Creoula começara como um convite para registar uma expedição científica às Ilhas Selvagens, que ganhou uma outra direcção quando o realizador soube da existência de antepassados que haviam zarpado a bordo do navio que transportava a expedição. Eram filmes mais “ligeiros”, com um tom mais conversacional, um diálogo construído em tempo real entre cineasta e espectador — embora André contraponha que é uma ligeireza “construída” na montagem, à procura de um tom e de um olhar. “Preciso de ter um olhar construtivo, de perceber onde é que estão esses momentos de ligeireza, para que o filme não fique demasiado denso.”

As duas longas anteriores foram também um “laboratório de ensaio”, ou um “território de aprendizagem”. “Sou uma pessoa da área científica”, diz o realizador. “Comecei por estudar Matemática e depois mudei para Tecnologias da Comunicação. Tenho um fascínio enorme pelo digital, perceber a desmaterialização desta imagem que consigo enviar daqui para ali... Atenção, gosto da película, da materialidade! Estou sempre no eBay à procura de película antiga... O meu entusiasmo nasce do digital porque quando entro na universidade é o momento em que o digital está a começar de forma mais concreta, e esse entusiasmo faz-me explorar todo o fluxo de produção. Quando chego ao final do curso, percebo que tenho a capacidade de fazer um filme de forma isolada, sem qualquer forma de financiamento. E isso tornou-se a minha forma de aprender, de ensaiar.”

Quando André investe num objecto mais exigente como Dia 32, fá-lo porque achou que “já dominava a técnica de forma suficiente para fazer um filme sobre algo mais estrutural, mais forte, que se expande para outras áreas” — que leva mais longe a dimensão ensaísta, com recurso a citações de Leitão de Barros, Beethoven, Raul Brandão, Chaplin, Chopin, Eisenstein, Godard, Buster Keaton, Fritz Lang, os irmãos Lumière, Mahler, Jean Renoir, Paulo Rocha, Rossellini, Schubert, Tarkovski, Truffaut e muitos outros. Sem perder a dimensão conversacional, Dia 32 tem algo de “arca de imagens” que sublinha uma das contradições do cinema de André Valentim Almeida: um repositório de imagens virtuais pensado para um futuro incerto. “Sim, é contraditório, porque tenho este fascínio pela tecnologia, mas gosto da película”, confessa. “E todos nós chegamos a um momento em que estamos fartos do próprio digital, é algo de profundamente humano.” O próprio filme questiona o “estilo de vida digital” que levamos hoje, onde, como se diz às tantas, “já nada é mágico, subtil, heróico”.

Ao realizador não escapa a ironia de ser precisamente a tecnologia digital que lhe permite fazer um filme inteiramente sozinho. “Tudo isto é o meu processo de aprendizagem para um dia chegar ao processo de filmar com uma equipa”, confessa, “e isso para mim vai ser um salto duro. Claro que chegarei lá, mas é uma questão que me consome com alguma força: qual é o passo a seguir? Até porque começo a sentir que não posso continuar a fazer 'isto'. Este é um caminho que se esgota.” Para já, no entanto, André Valentim Almeida continua a aprender. “E esta é a minha forma de aprender: um acto e um movimento para experimentar alguma coisa.”

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