Pedido de ajuda, in extremis, para a Ciência Portuguesa

A manter-se assim a lei, a investigação científica em Portugal vai passar quase toda para direito privado. Senhores deputados: é mesmo isto que querem?

Caros deputados do Parlamento português,

A Universidade de Oxford, que tem um número de estudantes similar ao da Universidade de Coimbra, tem um orçamento anual de cerca de 1.800 milhões de euros, enquanto que em Coimbra dispomos apenas de 150 milhões. Deste valor, só metade vem diretamente do Governo; o resto é angariado por nós, com muito esforço. Apesar desta enorme desvantagem, que é representativa da situação em Portugal, a Ciência Portuguesa tem conseguido ganhar prestígio internacional, graças a uma gestão muito cuidadosa do dinheiro de que dispõe. O que venho pedir é que não nos impeçam de continuar a fazê-lo.

Está em discussão na Assembleia da República a revisão do Decreto-Lei 57/2016, conhecido por decreto do emprego científico, que, se não for bem feita, tem potencial para causar grandes estragos à Ciência Portuguesa. Com efeito, todas as instituições científicas portuguesas e internacionais dependem em boa parte de projetos competitivos, de duração limitada, tipicamente dois ou três anos, financiados por instituições como a Fundação para a Ciência e Tecnologia e a Comissão Europeia. Para ajudar a executá-los é necessário contratar investigadores, muitos deles doutorados. Até aqui, a contratação desses doutorados tem sido feita essencialmente através de bolsas quase sem garantias sociais, que o decreto em apreço pretende mudar para contratos de trabalho, o que se aplaude. Os investigadores devem ter a mesma proteção social de qualquer outro trabalhador. Mas há dois problemas graves.

O primeiro é que, para quem contrata, o custo destes contratos é muito maior que o das bolsas. A versão original do Decreto-Lei determina um nível salarial mínimo que mantém aproximadamente o mesmo rendimento líquido para o investigador que este tinha com a bolsa, mas com os impostos e os descontos para a Segurança Social resulta num aumento de custo de cerca de 67%. Para as instituições é um problema, pois não há aumento de orçamentos, pelo que existe o risco grave de se ir criar desemprego científico. Mesmo assim, na expectativa de que se consiga alguma ajuda orçamental, e com muito esforço da parte das instituições, compreende-se a necessidade da mudança, estando estas em geral dispostas a fazer esse esforço. Mas o que já é difícil pode tornar-se impossível. Estão em discussão no Parlamento propostas que acrescem à mudança de bolsa para contrato de trabalho também um aumento salarial líquido de cerca de 15% a 60%, sem qualquer paralelo na administração pública portuguesa. Para as instituições de investigação o aumento de encargos em relação às bolsas é de 100% a 180%. Isto é, com os mesmos orçamentos vamos contratar metade, ou menos, dos investigadores, lançando milhares para o desemprego e a emigração. Senhores deputados: é mesmo isto que querem fazer?

O segundo problema grave é que, para as instituições de direito público, a lei impõe um prazo de contratação que não coincide com a duração do projeto. Mesmo se um projeto tiver um financiamento por exemplo para dois anos, somos obrigados a fazer um contrato de seis anos. De onde vem o dinheiro nos outros quatro anos? Ninguém sabe. O que é extraordinário é que esta restrição só é colocada às instituições de direito público. As instituições de direito privado, corretamente, se têm um financiamento que dura por exemplo dois anos, podem fazer um contrato de dois anos. A manter-se assim a lei, a investigação científica em Portugal vai passar quase toda para direito privado, pois as instituições de direito público não terão condições para competir. Senhores deputados: é mesmo isto que querem?

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