As esculturas que não param de crescer

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As esculturas flutuantes de José Pedro Croft no lago de uma propriedade privada em Itaipava, perto do Rio de Janeiro dr

Quando José Pedro Croft explica a genealogia das peças que fez para Veneza, as esculturas flutuantes que apresentou no ano passado no lago de uma propriedade privada em Itaipava, perto do Rio de Janeiro, são quase sempre evocadas. Seis vidros espelhados com 5,8m por 2,2m funcionam como jangadas ou bóias, dando a impressão de que alguém se divertiu a editar a água do lago com Photoshop. Nos dois trabalhos, a água está envolvida, tal como no projecto mais recente (ainda em construção) para a Barragem do Feiticeiro, no Baixo Sabor, embora em Veneza e no Norte de Portugal as esculturas não se molhem, mas estejam apenas na proximidade de um espelho de água.

Mas podemos recuar mais, até 2004, quando José Pedro Croft fez uma obra sobre o 25 de Abril, encomendada para a Residência de São Bento, em Lisboa. Com cinco metros de altura, eram planos de aço polido que reflectiam a paisagem e a tornavam mutante.

Já em 2009, num parque em Tilburg (Holanda), o artista encostou casualmente às árvores rectângulos de aço polido com 6m por 1m, voltando a explorar o lugar da escultura como mediador da realidade — da própria natureza ou do espaço urbano. A natureza é devolvida de forma imprevista e fragmentada, criando curtos-circuitos na percepção do espectador.

Numa peça de 2010 apresentada no espaço Chiado 8 e depois na retrospectiva do seu trabalho na Cordoaria, a grande escala de uma escultura com vidros coloridos e espelhos era confrontada com um espaço interior, com os limites do espaço, onde como explica o artista, o desafio do espectador era agora completar, como num puzzle, a obra que era impossível abarcar de uma só vez.

Já em Sabadell (Espanha), em 2015, Croft explorava de uma forma mais directa a relação com a escala urbana de um edifício com as peças a tornarem-se monumentais. Peças de sete metros de altura, com vidros espelhados ovais enquadrados por uma moldura, devolvem ao observador uma escultura e uma cidade diferentes conforme aquele se situa a dez metros de distância, a 50 metros, ou já muito perto da obra.

Agora, em Veneza, num trabalho intitulado Medida Incerta, Croft ,confrontando-se com a escala da Villa Hériot mas também a da laguna, dá às esculturas as dimensões das velas de um barco, como nota o escultor para nos explicar a obra de engenharia que implicou agarrá-las ao solo do jardim, fazendo-as atingir os oito metros de altura. A obra de Croft nunca se ergueu tão alto.

Porém, como disse o curador João Pinharanda na inauguração, este trabalho não se trata de “uma medida incerta”, antes de “uma impossível medida”: “a da relação privilegiada estabelecida por estas obras com o particular e o universal, com o contexto urbano, geográfico, lumínico e histórico da cidade de Veneza”, ou ainda “com a arte contemporânea”. Medida Incerta, continua o curador, “cita a geometria para a colocar em desequilíbrio, cita a arte abstracta para se referir à realidade imediata da cidade (à sua luz movente, às suas águas invasoras, à sua arquitectura ecléctica, às suas estacas fundadoras), ousa a monumentalidade sem alienar o espectador, a quem é permitido medir-se individualmente com cada peça”.

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