Terrence Malick: é sempre a mesma cantiga

O problema no cinema de Malick é tudo parecer tão vulgar: os diálogos e (sobretudo) os monólogos eivados de uma mistura de misticismo e psicologismo, compungidos e serôdios.

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Pouco distingue este cinema de Malick com uma estética de publicidade
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Apesar de Música a Música mal se distinguir dos últimos Malicks, A Essência do Amor e Cavaleiro de Copas, de que repete procedimentos e temáticas praticamente a papel químico a ponto de nada ter de surpreendente, ainda há lugar para um certo espanto.

Esse espanto vem direito do respeito pelo Malick “antigo”, em nome do qual, e num desesperado e apenas semi-consciente reflexo autorista, se fica a ver Música a Música na expectativa de que apareça aqui uma epifania qualquer, que revele não um “sentido” (esse é, para o bem e para o mal, bastante claro) mas uma “razão” para que os filmes de Malick se tenham tornado isto, uma sucessão de rodriguinhos em contraluz sustentada pela verborreia sofredora dos protagonistas. Se alguma coisa nos prende a Música a Música é isso: a procura de um sinal, de alguma coisa que deixe evidente que o filme é mais do que aquilo que parece. Infelizmente (mas naturalmente: é tendência dos filmes serem o que parecem, o resto é “interpretação”, coisa pela qual os filmes de Malick clamam), infelizmente, díziamos, Música a Música vai até ao fim a ser sempre aquilo que parece. Parecer-se com estes últimos filmes do autor, e de vez em quando até com os mais antigos, não é um problema.

O problema é tudo parecer tão vulgar: os diálogos e (sobretudo) os monólogos eivados de uma mistura de misticismo e psicologismo, igualmente compungidos e igualmente serôdios; as cenas indiferentes, encenadas e filmadas, quase sempre com uma câmara à mão a agitar-se sem tino, como se estive a registar os ensaios de casting dos actores mas ficasse a meio caminho, e portanto não tivesse nem actores nem personagens (só a famigerada “aura”, que aliás este filme torna bastante dúbia, de gente como Fassbender ou Gosling, ou mesmo as habitualmente excelentes Portman ou Rooney Mara); todos aqueles interlúdios e efeitos de montagem, à cata de reflexos do sol na água duma piscina e coisas similares, incapazes de ganharem qualquer peso como “interlúdio”, muito menos como intromissões ou comentários duma ordem “poética”.

A verdade é que, visualmente, pouco distingue (no trabalho de câmara mas também nos ambientes) este cinema de Malick com uma estética de publicidade, e se no lugar de certos planos aparecesse o logo de uma empresa de comunicações ou de soft drinks isso pareceria menos surpreendente do que a tal “epifania”.

É uma contradição que exprime o beco sem saída em que os filmes de Malick se colocaram, visto que no seu coração eles são uma crítica à superficialidade das “boas vidas”, da “fama”, aqui com o mundo da música a substituir o mundo do cinema que era focado em Cavaleiro de Copas. Mas é como se não ele conseguisse responder a essa superficialidade a não ser com outra forma de superficialidade; e quando se percebe que o plus documental de Música a Música, a participação de estrelas do rock como John Lydon (ex-Rotten), Iggy Pop ou Patti Smith, se reduz a uns breves apontamentos dignos de um coleccionador de autógrafos fascinado com as celebridades que encontrou, percebe-se a enorme pobreza disto tudo. É verdade que, como no tempo dos Dias do Paraíso ou da Barreira Invisível, continuamos a sair banzados de um filme de Malick. Mas agora, saímos banzados de outra maneira, como se estivéssemos a tentar encontrar razões para uma catástrofe de origem incompreensível.

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